A MÚSICA DA FALA

foto: daryan dornelles
No ano de 1985, em meio a punks e skatistas, já era possível assistir aos primeiros b-boys se reunindo na estação de metrô São Bento, no centro da capital paulistana. A cultura hip-hop, vista não só como uma forma de entretenimento, mas também de protesto e de superação, encontrou nos jovens das periferias de São Paulo um terreno fértil para se desenvolver. Musicalmente, o rap era a linguagem mais legítima, criativa e poética para aqueles que vinham, há gerações, sofrendo de extrema vulnerabilidade social.

Mesmo utilizando uma linguagem bastante hostil e invasiva, o rap conseguiu ganhar espaço na mídia na década seguinte. Não era mais possível ignorar a agitação promovida por nomes como Racionais MC’s (SP), Pavilhão 9 (SP), MV Bill (RJ), Planet Hemp (RJ), Faces do Subúrbio (PE), GOG (DF), Câmbio Negro (DF) e seus milhares de seguidores. Entretanto, com a virada do século, ficaram nítidas as mudanças pelas quais o rap nacional estava passando: mais permeável, aderiu-se a outros gêneros e discursos, atenuando assim o seu caráter político. Mesmo com a crítica das alas mais ortodoxas do movimento, diversos artistas aproximaram-se de uma estética pop, caso de Projota, Karol Conka, Rael e Flávio Renegado. Com uma visão mais pragmática e conciliatória, uma nova geração de rappers conseguiu penetrar em espaços pouco propensos ao gênero e, consequentemente, ser absorvida pelo mercado e criar novos padrões estéticos e comportamentais.

Vinda da periferia de Curitiba (PR), Karol começou sua carreira em 2002. No ano seguinte, integrou o grupo Agamenon, ao lado dos MC’s Bigue, Cadelis e Cilho. Mais a frente, participou com Cadelis, Nairóbi, Mike Fort, São Nunca, Guerra Santa e Nel Sentimentum do grupo Upground Beats. Em 2008, já em carreira solo, teve o seu single “Me garanto” indicado ao prêmio Hutuz na categoria “Melhor demo feminino”. Em 2011, disponibilizou para download um EP promocional com sete músicas, dentre elas “Melhor que se faz” e “Marias”. Com a boa repercussão do trabalho, Karol investiu em seu primeiro clipe, “Boa noite”, o que a levou a concorrer na categoria “Aposta” no VMB 2011. Em 2013, lançou seu álbum de estreia, o elogiado Batuk Freak (Deckdisc), produzido por Nave Beatz. Influenciado pela música tradicional e com referências às religiões afro-brasileiras, o disco abordava temas relacionados ao universo feminino e ao preconceito racial. A convite de Boss in Drama, participou do single e do clipe de “Toda doida”, eleita uma das dez melhores músicas de 2013 pela revista Rolling Stone. No mesmo ano, ganhou o Prêmio Multishow na categoria “Artista revelação”. Sua música, “Boa noite”, foi escolhida para fazer parte da trilha sonora do game Fifa 14. Em abril deste ano, ganhou destaque ao aparecer em uma lista de “Dez novos artistas que você precisa conhecer” da revista Rolling Stone norte-americana.

Encontramos a rapper no Teatro Oi Futuro Ipanema. Recém-chegada de sua terceira turnê pela Europa, Karol veio ao Rio para se apresentar no festival Sonoridades ao lado de BaianaSystem e Márcio Victor. No café do teatro, conversamos a respeito de sua carreira, cena curitibana, racismo e seu próximo álbum.

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