CROCODILOS, TUBARÕES E AVES DANINHAS

fotos: daryan dornelles
Lançamentos de boxes comemorativos, discos tributos, shows, filmes e livros... Com o aparecimento e a popularidade de uma nova geração de artistas independentes em São Paulo, assistiu-se nos últimos anos o redescobrimento de uma das cenas mais importantes da música popular brasileira: a vanguarda paulista. Surgida no final dos anos 70 e desenvolvendo um som bastante peculiar, a vanguarda foi, em boa parte, rejeitada pelas majors e pelo mainstream, o que prejudicou e muito a sua difusão. Entretanto, com as mudanças do mercado fonográfico e sendo constantemente citados por nomes da nova geração, Ná Ozzetti, Arrigo Barnabé, Luiz Tatit, Itamar Assumpção, Alzira E, Suzana Salles e outros artistas dessa cena passaram a ganhar uma atenção bastante expressiva de um público jovem e curioso por seus trabalhos.

O paranaense Arrigo começou sua carreira ainda em Londrina. Em 1973, venceu o Festival Universitário de Música da cidade com a canção “Lástima”. Em 1976, já radicado em São Paulo, montou o conjunto Navalha, integrado por Antônio Carlos Tonelli (baixo), Itamar Assumpção (voz e guitarra) e seu irmão, Paulo Barnabé (bateria). Em 1979, saiu vitorioso do Festival Universitário da Canção da TV Cultura, interpretando com a banda Sabor de Veneno a música “Diversões Eletrônicas”. Em 1980, lançou de forma independente o cultuado Clara Crocodilo. O disco foi considerado um marco na música popular brasileira ao dialogar com elementos da cultura pop e da música erudita contemporânea. Por este trabalho, Arrigo foi premiado no ano seguinte na categoria “Revelação” pela APCA (Associação dos Críticos de Arte de São Paulo). Inspirado em uma história em quadrinhos de Luiz Gê, gravou Tubarões Voadores (Ariola, 1984). Em 1988, promoveu o seu álbum mais comercial, Suspeito (3M). Entretanto, sem o retorno esperado, voltou à produção independente, lançando a seguir o disco ao vivo Façanhas (Camerati, 1992). Em 1998, pela gravadora Núcleo Contemporâneo, lançou a ópera Gigante Negão, gravada ao vivo, em 1990, no Palace, em São Paulo. No ano seguinte, em uma releitura de seu trabalho mais festejado, lançou A Saga de Clara Crocodilo (Tranx God Records). Em 2004, passou a apresentar o programa Supertônica, na Rádio Cultura de São Paulo. Neste mesmo ano, compôs Missa In Memorian Itamar Assumpção, em homenagem ao amigo que morreu em 2003. A obra foi lançada, dois anos depois, pelo selo Thanx God Records/Tratore. Em 2008, acompanhado de Paulo Braga, lançou Clara Crocodilo – Uma Suíte A Quatro Mãos, gravado ao vivo em 2004, no Teatro Nacional S. João, no Porto (Portugal). Em comemoração aos 30 anos de Clara..., Arrigo gravou ao lado da Orquestra à Base de Sopro de Curitiba um DVD (Arrigo Barnabé & Orquestra à Base de Sopro de Curitiba, Tratore, 2010) contendo a remontagem de sua ópera rock e a inédita “A Metamorfose”. Em 2011, fez o lançamento do DVD Caixa de Ódio, onde interpreta composições de Lupicínio Rodrigues. Gravado em 2009 na Casa de Francisca, em São Paulo, o espetáculo percorreu várias capitais do país.

O músico foi premiado por diversas trilhas sonoras, como Janete (1983), Estrela Nua (1985), Cidade Oculta (1986), Vera (1987), Lua Cheia (1988) e Doutores da Alegria (2005). Como ator, esteve presente nos filmes O Olho Mágico Do Amor (José Antônio Garcia e Ícaro Martins, 1981), Cidade Oculta (Chico Botelho, 1986), Nem Tudo É Verdade (Rogério Sganzerla, 1986), Anjos da Noite (Wilson Barros, 1987), Desmundo (Alain Fresnot, 2003) e Luz nas Trevas (Helena Ignez, 2012), participando também da novela Direito de Amar ( Rede Globo, 1987).

De passagem pelo Rio com a remontagem de Clara Crocodilo e envolvido com os projetos Pô, Amar é Importante e Cevando o Amargo, onde interpreta, respectivamente, canções de Hermelino Neder e Lupicínio Rodrigues, Arrigo nos encontrou no estúdio Audio Rebel, em Botafogo. Lá, o músico nos falou a respeito de sua carreira, de seus projetos, da vanguarda paulista e da nova geração da MPB.

BANDA DESENHADA – Poderia falar um pouco sobre a vanguarda paulista? Você e o Itamar já se conheciam de Londrina, não é? 

ARRIGO BARNABÉ – Sim. Conheci o Itamar no início dos anos 70. Ele era de um grupo de teatro de Arapongas e costumava participar dos festivais de música de Londrina. Naquela época, participei de um desses festivais tocando uma música do [Antônio Carlos] Tonelli e do Robinson Borba, “Crisélia, My Love, Estou Atabalhoado”. O Itamar também estava concorrendo e trocamos algumas ideias. Em 73, fizemos parte de uma mostra de música, chamada Na Boca do Bode, no Teatro Universitário de Londrina. Eu estava começado a trabalhar em Clara Crocodilo... Nessa época, eu e meu irmão, Paulinho, já morávamos em São Paulo e convidamos o Itamar para ficar em nossa república. Mas, antes de ir para lá, ele preferiu tentar a sorte no futebol. O Itamar já havia jogado no Arapongas Esporte Clube e achou que poderia ingressar no Santos, mas acabou desistindo e foi nos encontrar. Eu estudava composição na Escola de Comunicações e Artes [USP] e foi lá que conheci o Luiz Tatit e mais alguns outros colegas que, mais tarde, participaram da vanguarda paulista. O Tatit era o que tinha as propostas mais claras e estruturadas, ele já se apresentava e desenvolvia um trabalho a partir do som das palavras. Eu, particularmente, não compartilhava de suas ideias. De todos do, vamos dizer assim, núcleo duro da vanguarda paulista, eu era o mais ligado à música. E menos à faceta poética. Achava que, segundo as ideias de Augusto de Campos, no livro Balanço da Bossa, deveríamos ir para o atonalismo, desenvolver uma linguagem baseada em elementos da música erudita contemporânea que ainda não havia sido assimilado pela música popular. Porque a música brasileira só conseguiu absorver até [Claude] Debussy! E lá fora, você via o George Martin com os Beatles fazendo Sgt. Pepper’s..! Ali havia uma mistura que me interessava muito. Todos nós crescemos sob o impacto dessas coisas, do impacto de um período muito importante não só para a música internacional como também para a música brasileira: a era dos festivais, o aparecimento do iê iê lê e da tropicália... Era uma época de embates muito acirrados. Basta se lembrar da passeata contra a guitarra elétrica [1967]. Tudo era muito intenso e nos motivava a produzir e a desenvolver nossos projetos. Havia uma devoção muito grande de nossa parte à música popular. Acompanhávamos tudo! Vibrávamos a cada novo disco do Chico [Buarque] e do Jorge Ben [Jor]! Eram verdadeiros acontecimentos! Fui ao show do Milton Nascimento, na USP... bem no começo de sua carreia... Fui ao TUCA [Teatro da Universidade Católica de São Paulo], assistir ao Expresso 2222, do [Gilberto] Gil, antes mesmo da gravação do disco. Este era o universo a que tínhamos acesso.  E tudo de graça!

BD – Você falou no Balanço da Bossa e dos rumos da canção brasileira... e hoje? Como você a vê? 

ARRIGO – É engraçado... Acabei de compor nove canções em parceria com o Luiz Tatit, mas acho que este formato já deixou de ser hegemônico. Agora vivemos outro momento. Há uma geração que cresceu ouvindo música eletrônica e rap, com, no máximo, um pequeno refrão. Não faço ideia para onde as coisas irão agora, sabe? Pode ocorrer tanta coisa... O sentimentalismo e o pieguismo das músicas sertaneja e brega podem se disseminar ainda mais ou, então, pode surgir alguma coisa potente a partir daí, desta linguagem. Eu, por exemplo, achava o Reginaldo Rossi muito interessante. Gostei muito do Cabaret do Rossi [2010].


BD – Além da música brega, boa parte da atual produção musical de São Paulo é influenciada pela vanguarda paulista. O que corrobora com a série de homenagens e lançamentos de discos e filmes, como a coleção Caixa Preta [2010, Sesc], do Itamar, e  os documentários Daquele Instante em Diante [2011, Rogério Velloso] e Lira Paulistana e a Vanguarda Paulista [2012, Riba de Castro]...

ARRIGO – O Itamar acabou sendo mais celebrado porque, infelizmente, morreu. E aí surgem as homenagens, né? Mas alguns artistas têm feito projetos muito interessantes utilizando a vanguarda como referência: a Zélia Duncan fez um belíssimo trabalho de música e dramaturgia com as canções do Luiz Tatit, no show Totatiando. É uma verdadeira obra prima! Depois, lançou um álbum só com canções do Itamar [Tudo Esclarecido, 2012]. Ela é uma cantora muito popular e uma de suas gravações [“A Gruta da Solidão”] acabou se tornando trilha sonora de uma novela da Globo [Sangue Bom]. A Cássia Eller também curtia a gente, gravou várias coisas, inclusive uma parceria minha com o [Mario] Manga, “Dedo de Deus”. A Adriana Calcanhotto, ainda em Porto alegre, cantava “Suspeito”, uma composição da minha fase mais comercial. Bem... mas essas três cantoras não são exatamente da nova geração. [risos].

BD – Pois é! [risos].

ARRIGO – O pessoal mais jovem também parece ter interesse pela vanguarda. Por exemplo, quando conheci a Mariá [Portugal, ex-DonaZica e integrante da banda atual de Arrigo], ela me disse: “Faço música por sua causa!”. Os meninos do Porcas Borboletas também são muito interessados. Já tocamos juntos e fiz parte de alguns de seus projetos. Também participei de um disco da Andreia Dias [Andreia Dias Vol. 2, 2010]. Ela queria fazer algum outro trabalho comigo, mas apesar da nossa vontade, a coisa não andou. Há algum tempo, conheci o Kiko Dinucci. Ele participou do meu programa, o Supertônica. Depois no encontramos algumas vezes na Casa de Francisca. Ele é um dos caras mais talentosos de sua geração, tem uma percepção muito aguda da estranheza da vanguarda e, ao seu modo, tenta reproduzi-la. Sinto que é algo intuitivo, mas o resultado é extremamente original.

BD – O seu trabalho, apesar de ser focado na música e ter referências eruditas, também flerta bastante com a cultura pop e outras linguagens artísticas, não?

ARRIGO – Isso tem muito a ver com a tropicália. Ela abriu essa brecha, permitindo que a gente pudesse fazer esse tipo de integração. Sempre curti essas coisas: quadrinhos, artes plásticas, performance, dança contemporânea... Então, aos poucos, passei a empregar esses elementos, como as narrações radiofônicas e tudo o mais. Convivi incessantemente com pessoas de outras áreas e fui muito influenciado pela música erudita contemporânea. O pessoal lá de fora fazia esse tipo de loucura. O Mauricio Kagel, por exemplo, foi um compositor argentino, radicado na Alemanha, que desenvolveu a música cênica, um tipo de música onde o espaço cênico faz parte da partitura. Eu achava interessantíssimo! E isso acabava me servindo de referência.

BD – Paralelamente à música, você chegou a participar de alguns projetos como ator...

ARRIGO – Participei de alguns filmes, fazendo deles uma extensão do meu trabalho no palco… O Olho Mágico do Amor, Nem Tudo é Verdade, Cidade Oculta… também fiz teatro, com o Hamilton Vaz Pereira. Montamos a peça O Máximo [1988], escrita e dirigida por ele. Acabei de atuar em um filme chamado Nervos de Aço, do Maurice Capovilla. Conta a história de um grupo de músicos envolvidos em ensaios para um novo espetáculo, baseado nas músicas do Lupicínio Rodrigues. Eu faço o papel de um diretor musical que é casado com uma cantora, interpretada por uma menina que participou do último The Voice, Ana Lonardi. Nesta história, ela se envolve com um músico da banda e depois com a produtora! [risos]. É bem divertido.


BD – Tanto a vanguarda paulista quanto a tropicália foram movimentos de vanguarda; entretanto, apenas alguns artistas, como Caetano [Veloso] e [Gilberto] Gil, conseguiram ser absorvidos pelo mainstream. A que se deve isso? 

ARRIGO – A tropicália tinha a televisão ao seu lado. Havia até um programa de TV tropicalista! Então, fica mais fácil, né? A vanguarda paulista não aparecia em nada! Nada! Nada! Só em programas das TVs estatais e olhe lá... Como é que as pessoas iriam nos conhecer? Por isso que acabou se tornando cult, conhecido apenas pelos iniciados. Acho que este foi o principal problema. Imagina se eu tivesse feito aquela narração de Clara Crocodilo no Faustão? Seria um sucesso! Tenho certeza. A música do Itamar também era supertocável! Nossa! Ouça o seu primeiro disco, Beleléu, Leléu, Eu [1980]! Se tivéssemos entrada na grande mídia, essa história teria tido outro desfecho. Mas, ainda assim, não seríamos iguais ao Caetano e Gil. O Gil, por exemplo, trabalha com jingles, ele sempre soube as manhas na música pop, era capaz de criar uma canção que te pegava pelo ouvido. E os tropicalistas nunca tiveram problemas em utilizar estas ferramentas. Então, dentro da tradição da música popular, claro que a gente não conseguiria ter o mesmo alcance que eles tiveram. 

BD – Em 1992, em uma entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Antonio Cícero disse que “a música popular brasileira que fazemos hoje é erudita. Nela já não temos mais a repetição de fórmulas consagradas, mas a transformação constante”. Você concorda com isso? A música brasileira contemporânea tem esta característica?

ARRIGO – Claro! Basta ouvir Tom Jobim, Edu Lobo, Guinga... entretanto, trata-se de um erudição nacionalista, mais ligada ao [Camargo] Guarnieri, ao [Heitor] Villa Lobos e ao [César] Guerra-Peixe. Não houve um diálogo com os músicos de vanguarda, como o Gilberto Mendes, Marlos Nobre ou outros nomes da turma do [Hans-Joachim] Koellreutter, ligados à [segunda] escola de Viena e à música atonal.

BD – Mas Rogério Duprat e Júlio Medaglia foram muito presentes na tropicália, não? Isto não daria algum caráter vanguardista ou erudito ao movimento?

ARRIGO – Talvez. A questão é que se você for analisar as canções do Caetano, pelo víeis melódico e harmônico, fica complicado classificá-las de eruditas, entende? Suas canções ganham potência ao se associarem às palavras, à sua poesia. Aí se tornam algo realmente espetacular. Diferente do Edu Lobo, que compõem se apropriando de elementos da música erudita. Não acredito que a intenção de Caetano e Gil fosse essa. Pessoalmente, acho o Chico [Buarque] um artista muito mais inquieto. Compare o seu trabalho inicial, que já era primoroso, com o de agora. Consigo perceber que ele está sempre na busca de algo novo, de algum elemento que faça a sua música seguir adiante.  
    
BD – Interessante você dizer isto... normalmente, os críticos comentam justamente o contrário...

ARRIGO  Eu não acho! Acho o Chico um cara realmente inquieto. Da sua geração, é um dos artistas que mais evoluiu em sua linguagem musical.

BD – Como foi o seu contato com o mainstream? Nos anos 80, você chegou a participar do Cassino do Chacrinha e outros programas de TV bastante populares...

ARRIGO – Nessa época, a intenção era entrar no mercado, por isso que lancei o disco Suspeito. A gravadora 3M pagou oito Cassino do Chacrinha, dois Xou da Xuxa e não sei quantos Clube do Bolinha e Clube da Criança. Fiz tudo isso. Precisava ganhar dinheiro, a minha situação estava muito difícil. E aí a gravadora me enfiou nesses lugares. [risos]. O mais engraçado é que o disco não fez sucesso. Se tivessem feito esse tipo de divulgação com o Clara Crocodilo, aposto que teria sido um estouro. Mas, como já disse, nós da vanguarda não tínhamos o apoio da TV. Conseguíamos espaço nos jornais, mas nunca conseguimos penetrar na TV ou nas rádios. Se tivéssemos tido um programa semanal ou mensal na TV Cultura, por exemplo, tudo teria sido bem diferente. 

BD – Falando em Clara Crocodilo, esta nova montagem está fazendo bastante sucesso aqui no Rio, vocês tiveram até que abrir sessões extras... 

ARRIGO – É impressionante! Mas acho que tem a ver com o lugar onde vamos nos apresentar. O Audio Rebel tem essa aura underground. Quando fiz o Oi Futuro, em 2011, não houve nem metade deste bochicho que está tendo agora. Mas também, desta vez, houve uma preocupação maior, eu pedi à Joana [Queiroz] e à Mariá [integrantes de sua banda] que encontrassem um local para tocar no Rio que fosse semelhante à Casa de Francisca, em São Paulo. Um lugar frequentando por quem realmente curte música, que faz o boca a boca e gera esse burburinho. A banda deste novo show do Clara... foi montada a partir dO Neurótico e as Histéricas, a banda do meu outro projeto, Pô, Amar é Importante, onde interpreto canções do Hermelino Neder. Dali vieram Maria Beraldo Bastos [clarinete], Mariá [bateria] e Ana Karina [baixo]. A elas, se juntaram a Joana [sax], do Rio, e mais Paulo Braga, que toca comigo desde 1988, e o Mário Manga, que inclusive gravou a primeira versão do Clara Crocodilo, de 1980. É um encontro de gerações no palco, e o resultado está surpreendente.

BD – É no Pô, Amar é Importante que as meninas se apresentam vestindo camisetas de futebol?

ARRIGO – Sim! A banda do Hermelino se chamava Football Music. Na realidade, originalmente, era Santos Football Music, por causa de uma obra do Gilberto Mendes. O Gilberto Mendes havia composto uma música com este nome, onde o maestro chutava uma bola de futebol para o público. E, enquanto a orquestra era conduzida, ouvia-se uma transmissão de um jogo do Santos com o Pelé e o Coutinho. O Hermelino, que era santista, acabou batizando a sua banda com o título dessa música. Mas daí o aconselharam a mudar, porque o pessoal que não torce para o Santos poderia não curtir. [risos]. A banda sempre se apresentava usando camisas de futebol. É por isso que as meninas também estão usando. Estamos entrando agora em estúdio para gravar um EP com este repertório, produzido pela Mariá.

BD – Você também pretende relançar o disco de Clara Crocodilo?

ARRIGO – Mas ainda se vende disco por aí? Tem gente que compra? Será?! Em 2004, fiz umas 500 caixinhas, totalmente pirata, com cinco CDs: Clara Crocodilo, Tubarões Voadores, Gigante Negão, A Saga de Clara Crocodilo e Uma Suíte a Quatro Mãos. Era para ser apenas para divulgação, mas gostaram tanto que acabei vendendo umas 300 caixinhas. Talvez eu possa fazer isso novamente, quem sabe? 

BD – Atualmente, há uma procura muito grande por LPs...

ARRIGO – O disco A Saga de Clara Crocodilo, foi gravado ao vivo, com um quarteto de cordas, sopros e percussão sinfônica... Durante as apresentações no Sesc Ipiranga. Ficou bem legal. E a capa é linda, feita pelo Luiz Gê. Quero muito lançá-lo em vinil. Seria um LP duplo. Mas ainda não sei, talvez um material desses só interesse a colecionadores... 

BD – Você também irá lançar este ano um disco com o Tatit, não?

ARRIGO – Sim, deve sair agora. Enviei para o Tatit muitas coisas que havia guardado em meu baú. E ele saiu escrevendo. O nosso diálogo sempre foi muito bom, mas nunca havíamos feito nada juntos! Nada! Acredita? Há tempos, em um show, eu me lembro de ter falado com ele: “Tatit, precisamos compor alguma coisa!”. Sempre conversávamos sobre isso quando nos encontrávamos. Aí, um dia, comecei a mandar algumas músicas para ele. Trabalhamos por um ano nestas parcerias. Reunimos mais seis canções, três suas e três minhas, e fizemos o CD. Chamamos o Manga para produzi-lo e a Lívia Nestrowski para cantar. A Lívia é uma cantora nova. Mora aqui no Rio. Eu a conheci em 2008, quando fui convidado a participar do Programa Artista Residente, da Unicamp. Nós montamos um espetáculo ali mesmo. Depois, eu a chamei para cantar comigo. A Lívia é, tranquilamente, uma das maiores vozes de sua geração. Ela é impressionante! 

BD – E o seu projeto com o repertório do Lupicínio?

ARRIGO – Este é um trabalho que sempre tive muita vontade de fazer, mas era aquele negócio: “Eu não sei cantar, eu canto mal...”. Não me atrevia, sabe? Até que finalmente, em 2009, tomei coragem. As canções do Lupicínio são muito adequadas para o meu tipo de interpretação. É tudo muito histriônico e exagerado. Não sei se conseguiria fazer o mesmo com outros compositores. Meu primeiro contato com as suas músicas foi no início dos anos 70, quando escutei pela primeira vez o LP Jamelão Interpreta Lupicínio [1972, Continental]. Eu pirei! O Jamelão tinha aquele canto agressivo que combinava muito com os versos desmedidos do Lupicínio: “E faz de conta que sou teu paizinho / Que tanto tempo aqui ficou sozinho”... [Risos]. É muito louco! Há uma perversão nessas interpretações que beira o cômico. E eu adoro trabalhar com esses elementos. A Bethânia costuma fazer isso muito bem. Ouça as suas interpretações para “Lama” [Aylce Chaves / Paulo Marques] e “Último Desejo” [Noel Rosa]. São interessantíssimas. Eu gostava muito de um de seus primeiros discos, Recital na Boate Barroco [1968]. A ideia era bem essa, pegar as canções do Lupicínio e trabalhar o meu lado intérprete. Tenho gostado bastante do resultado e pretendo estrear em breve o segundo projeto, Cevando o Amargo.


BD – Em seu primeiro projeto do Lupicínio, você lançou um DVD. E agora? Pensou em gravar este segundo projeto também?

ARRIGO – Eu gostaria muito. Mas o problema é as editoras cobram caro. O Canal Brasil pagou cerca de 20 mil reais para que liberassem as 18 músicas de Caixa de Ódio. É muito complicado. Então, prefiro investir nos shows. 

BD – Atualmente, os artistas costumam dizer que só os shows conseguem trazer algum retorno financeiro...

ARRIGO - Para mim sempre foi assim. Nunca vendi muito, nunca ganhei dinheiro com CD. Então, não senti diferença alguma quando o mercado fonográfico entrou em crise.  E é interessante, porque tenho feito muitos shows... Você sabe como é, né? O tempo está passando já estou nos quinze minutos do segundo tempo. [risos]. Está mais do que na hora de fazer as minhas coisas! [risos]. Pode parecer muito dramático, mas não sei quanto tempo tenho pela frente, então preciso trabalhar mais e mais. Quando você é jovem, não tem esta percepção, não sente este medo, você ainda tem muita energia e acha que será assim para sempre, e acaba se desgastando com bobagens... Só agora é que eu vejo isso. É por isso que estou tão focado. Pretendo me jogar mais ainda em meus projetos e fazer muito mais shows.


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