noise goiabada cascão

chinese cookie poets (da esquerda para direita): felipe zenicola, marcos campello e renato godoy | fotos: daryan dornelles
Há pelo menos três anos, com a ascensão da cena experimental carioca, boa parte dos críticos e pesquisadores da música popular se viu obrigada a ir atrás de sons até então pouco associados à MPB. Improvisação eletroacústica, drone, industrial, dark ambient, glitch, noise e no wave entraram na pauta do dia por conta de artistas como Cadu Tenório, Duplexx, Chineese Cookie Poets, Negro Leo, Bemônio, Rabotnik, Dorgas, BIU e Digital Ameríndio.
Criado em 2010 por Marcos Campello (guitarra e violão), Felipe Zenícola (baixo elétrico e acústico) e Renato Godoy (bateria), o Chinese Cookie Poets é um dos projetos de improvisação de maior destaque na cena carioca. O trio lançou seu primeiro EP homônimo em 2010. No ano seguinte, lançou o bootleg “Dragonfly Catchers and Yellow Dog”, realizando uma turnê por algumas cidades do Chile. Em 2012, foi a vez do single “En La Mano Del Payaso”, que veio acompanhado do clipe da faixa título. Nesse mesmo ano, lançou o elogiado álbum “Worm Love”, que conteve a participação de Arto Lindsay na faixa “Discipline And Manners”. Em 2013, após realizar diversas apresentações pelo país, o trio divulgou o seu quarto disco, “Danza Cava”, com a colaboração do trompetista Nicolau Lafetá. Nesse mesmo ano, Marcos Campello e Felipe Zenícola foram covidados, respectivamente, por Bruno Cosentino e Ava Rocha para participarem do álbum em homenagem aos 70 anos de Jards Macalé, “E Volto Pra Curtir”, lançado em junho pelo blog Banda Desenhada.
Convidado para uma entrevista, o trio se encontrou conosco mês passado em um restaurante no Humaitá (RJ), onde conversamos demoradamente a respeito de seus diversos projetos, MPB e a cena experimental carioca.

BD – Ultimamente tem-se ouvido falar bastante da cena experimental carioca, apesar de alguns artistas envolvidos discordarem desse conceito. Afinal, a cena existe ou não?

Marcos Campello – Eu não sei. Na verdade, acho que são poucos artistas fazendo muitos projetos diferentes. Cada um com uma cara, com uma onda específica. Acho forçação de barra juntar, por exemplo, o Dorgas, o Chinese e o VICTM!. Não dá pra pensar em uma única orientação estética, entende?

Renato Godoy – Mas, talvez por ninguém se encaixar em nenhum outro nicho conhecido, acabou-se chamando de cena...

Marcos Campello – Mas, cara, o que existe é uma galera que se junta para tocar.

BD – Sim, mas em lugares bastante específicos onde, praticamente, só vocês tocam: Plano B, Audio Rebel, Comuna e Multifoco. Isso não poderia ser classificado como cena?

Marcos Campello – Essa, com certeza, é a forma mais inteligente de se pensar em uma cena, mas, porra, já tem gente falando em “cena Sorocaba” [rua do bairro de Botafogo onde se situa a Comuna e próxima à Audio Rebel]! Acho isso meio esquisito. [Risos].

Felipe Zenícola – Pensando em termos geográficos, há uma cena. Acho besteira falar que não. Além disso, todos esses artistas tocam uns com os outros. O Renato tem um projeto com o Manso [Eduardo Manso, guitarrista do Tono] , o Manso tem um projeto comigo, o Marcos tocou com o Negro Leo e tem um projeto com o Daniel Fernandes, o Lofisofia... enfim, isso é comum ente nós. Há uma troca frutífera, onde artistas de estilos diferentes intercambiam suas referências até criar um som novo. 

Marcos Campello – É... a gente costuma fazer esses cruzamentos. Se alguém pegar as referências estéticas de cada um de nós, talvez consiga achar algo em comum nos projetos.  É uma teia bem complexa, mas seria uma pesquisa bacana.

Renato Godoy – Quando tivemos a ideia do “Quintavant”, pensamos justamente nisso, em criar um evento onde as pessoas pudessem se conhecer e trocar figurinhas, montando e apresentando seus trabalhos. Até então ninguém se conhecia: Negro Leo, Pedro [Dantas], Daniel [Fernandes], Thomas [Harres], o pessoal do Rabotnik... E havia a falta de espaços. No Plano B era complicado tocar, por causa da bateria...

Marcos Campello – É problemático! A gente toca alto e a vizinhança costumava reclamar. Assim, nunca dava pra fazer um show à vera.

Renato Godoy – Daí, pensamos na Rebel, que na época tinha um perfil mais punk e hardcore. Decidimos então criar um evento periódico que fosse direcionado para a música experimental. Juntamos quatro cabeças [o "Quintavant" foi idealizado por Renato, Alex Zhemchuzhnikov, Filipe Giraknob e Pedro Azevedo] e começamos a debater, discutindo quem chamaríamos pra tocar. No início eram muito poucos, mas com o tempo, as pessoas foram aparecendo. Foi bem legal, porque eram artistas de gerações e formações bem diferentes, todos se conhecendo e trocando ideias: Alex Zhem, Bartolo, Jahir [Soares], Negro Leo... O Leo apareceu com um projeto de formações alternativas, o “Ideal Primitivo”, que agregou bastante a cena. Acho que foi a primeira vez que vi alguém colocar 15 pessoas no palco da Rebel! [Risos]. A intenção do “Quintavant” sempre foi essa, de ser um coletivo. Pensando bem, depois de falar isso tudo, acho que se pode dizer que tem alguma coisa acontecendo na cidade... Se é ou não uma cena, não sei afirmar. Outra coisa bacana que nos ajuda muito é a colaboração de diversos músicos estrangeiros que tocam por aqui e que acabam participando de algum projeto com os artistas locais. O Eyal [Maoz], um guitarrista de Nova York, está vindo para cá. E já mandou um e-mail dizendo que está afim de montar uma sessão de estúdio. Isso é algo que acontece constantemente... Acho essas trocas muito importantes. 

Marcos Campello – Eu não sei se os americanos e os europeus estão fudidos, mas tem uma galera enorme vindo pra cá. Então a gente aproveita pra trocar umas ideias fortes com os caras e tal.

Renato Godoy – Ou nós é que estamos fudidos e eles vêm para o Brasil porque é tudo mais barato! [Risos]

Marcos Campello – Tem alguma treta! [Risos]. Mas o lance é que já faz um tempo que os Sescs de São Paulo estão trazendo essa galera pra se apresentar por aqui. E aí a gente está conseguindo fazer uma ponte e trazer esse pessoal pra tocar na Rebel. Cara, tem uns shows foda pra caralho! Ches Smith, Paal Nilsen-Love, Marc Ducret... Só coisa absurda! 

Felipe Zenícola – Esse diálogo é muito importante e serve para potencializar o trabalho de todos nós. Imagine: um artista que você admira, que já tem vinte, trinta anos de estrada, tocando com você! É um aprendizado muito enriquecedor para toda a cena e acaba estimulando os artistas daqui a produzir mais. Essa troca é essencial para o que está acontecendo hoje no Rio. 

Renato Godoy – Essa troca de experiências nos dá autoconfiança. Ver um artista desses tocando ao nosso lado... caramba! Fiquei muito feliz por ter tocado com o Arto [Lindsay]. Ele também gravou no disco da Ava, produziu o novo do Tono,volta e meia toca com o Rabotnik...

BD – Por sinal, quem acompanhava a MPB e só conhecia o Arto por conta dos trabalhos com o Caetano e Marisa Monte, ficou surpreso ao vê-lo tocar com os artistas da cena experimental...

Renato Godoy – Na verdade, se você for pesquisar, o Arto já estava envolvido com esse tipo de som desde o início dos anos 80... 

BD – Sim, com a no wave...

Felipe Zenícola – É importante para nós poder fazer um som que realmente acreditamos e ter ao lado uma figura como ele, que é de grande relevância para todos nós. E se você for pensar bem, é muito mais estranho ver o Arto produzindo um disco da Marisa Monte do que vê-lo tocar no Audio Rebel com a gente. 

Marcos Campello – Cara, a gente montou o Chinese pra tocar essas coisas que a gente curte, pra tocar nas quebradas, sem esperar ganhar grana nenhuma. Então, quando vem essa galera de fora e começa a trocar ideia com a gente, se apresentando na casa que a gente toca, isso de alguma forma legitima o nosso trabalho, entende? A gente pôde muito bem virar pro Arto e falar: “Pô, Arto, grava uma faixa pro nosso disco”. E o cara foi lá e gravou! Isso é foda! É uma puta abertura! E isso inspira a galera a chegar junto. 

Renato Godoy – Parando para pensar, até uns dois anos atrás, isso não acontecia. Fazíamos shows esporádicos para amigos. Era algo bastante comum na época. E aos poucos isso vem mudando. Já existe um público.

Marcos Campello – Tá ficando bom, tá ficando bom! Teve um dia que eu estava na Lapa e um maluco chegou e: “Ei! Você não é o cara do Chinese?”. Caralho, mermão! [Risos]. Muito foda! [Risos]. A galera tá acompanhando o que a gente faz. E o legal é que o pessoal do pop também troca uma ideia com a gente. Isso acaba com essa frescurinha de um lado dizendo que “ah, esses malucos fazem uma música bizarra” e do outro “ah, aquela musiquinha é muito água com açúcar”. As coisas estão se misturando! No disco do Macalé que a gente participou ["E Volto pra Curtir”], tem um monte de coisa esquisita misturada, e também tem coisa mais pop, tudo junto. Isso que é legal!

Felipe Zenícola – E a tendência é que isso se torne cada vez mais comum.

Marcos Campello – É, já está dando pra sacar. Por exemplo, no disco da Gal, “Recanto”. O Caetano chamou uma galera que está aí, fazendo uma coisa mais contemporânea mesmo. Tem esses ciclos de renovação, né? Alguma coisa se cristaliza e você parte em busca de uma novidade. E aí os malucos chamam os novinhos pra dar aquele gás. Porque senão vira aquela banda de coroa com todo mundo no uisquinho. [Risos].

BD – É bem interessante essa ponte que vocês fazem com artistas de sua geração e de gerações anteriores que, vamos dizer assim, estão mais relacionados à canção e à música popular...

Marcos Campello – A gente cresceu catando um monte de coisa diferente, mas também cresceu ouvindo muita música brasileira, então porque não juntar? A gente vai lá, conversa, sai tocando e acaba saindo alguma coisa. Não tem essa parada de evitar certas misturas que historicamente a galera de improv costuma evitar. Se rolar um groove, a gente vai no groove. Não tem essa frescura. Adoro quando a gente cai num funkão! Não tem essa coisa de “ah, só vamos fazer no wave”. É muito legal ter essa liberdade e abertura para dialogar com quem a gente quer e continuar fazendo o nosso som.  

Renato Godoy – Para mim, isso é fundamental. 

Marcos Campello – A gente não pensa: “Vou pegar esse arranjo e vou revolucionar a história da MPB”.

Felipe Zenícola – Todas essas referências fazem parte de nós, do nosso background. E elas acabam entranhando em tudo o que a gente faz. Se o Renato fizer amanhã um arranjo para uma música pop, inevitavelmente irá conter parte de suas experiências. Ele não vai conseguir fazer um som parecido com o do Lulu [Santos]...

Marcos Campello – Porra! [Gargalhadas].

Felipe Zenicola – Tá! Lulu foi foda. [Risos]

Marcos Campello – O legal de hoje é que as pessoas têm mais facilidade para acessar esse tipo de música. E, diferente do que rolava antigamente, a gente não tem que arrumar um produtor que vai torcer o nariz pro nosso som esquisitão e nem forçar uma barra pra que uma gravadora lance nosso disco. A gente vai lá na Rebel, grava uma parada, mixa e lança, entendeu? O custo é muito baixo, a qualidade é boa e o alcance é bem bacana. Isso ajuda a gente pra caramba, inclusive pra que role esses encontros com caras que curtem um som menos idiossincrático. 

BD – Esse diálogo da música experimental com a MPB fez, de uma hora para outra, com que críticos e jornalistas até então acostumados a escrever com referências mais ou menos predeterminadas, se vissem obrigados a pesquisar a respeito de noise, drone, etc. O que acharam disso?

Felipe Zenícola – Mas isso não é de hoje. Imagine a reação dos críticos ao ouvir pela primeira vez Zumbi do Mato ou Damião Experiença?

Marcos Campello – [interrompendo] Ou Arrigo [Barnabé]! Também tinha o Julio Medaglia e o [Rogério] Duprat fazendo uns arranjos doidos... O lance é que nossa geração cresceu ouvindo essas paradas. Eu era viciado em [Frank] Zappa. Ouvia muito [Edgar] Varése, além da galera da eletroacústica. Quando era moleque, não era fácil achar essas paradas, tinha que catar fitinha e tal, mas quando surgiu a internet, só precisei por no Google que eu encontrava tudo o que queria. Então, quem cresceu ouvindo isso, atingiu uma maturidade e começou a produzir à vera, começou a fazer as suas paradas com essas referências. Acho que é mais ou menos por aí. E aí tome [John] Zorn, tome Otomo [Yoshihide], tome [Marc] Ribot, tome os pianistas malucões do free jazz europeu! [Risos].

BD – E a questão financeira? Imagino que vocês tenham mais dificuldades em comercializar os seus projetos do que um artista independente com características mais pop...

Marcos Campello – Depende. Se você fizer um pop muito insosso, vai ficar batendo cabeça por aí, cara. No Chinese, o que eu acho foda, é que a gente faz uma coisa muito nossa. Não que o nosso som seja incrível, mas a galera reconhece e se liga. O cara vai falar: “Pô, é Chinese”. A gente quer é provocar. O cara ou vai sair muito puto do nosso show, achando tudo uma merda, ou então vai pirar! Alguma coisa sempre rola. Acho que isso acaba dando uma facilitada pra gente. 

Felipe Zenícola – Não esperávamos pelo retorno que estamos tendo. Quando começamos a fazer o nosso som, pensamos que não haveria repercussão, que não conseguiríamos tocar as pessoas a ponto de ter demanda para shows, por exemplo. E, exatamente por termos um som tão peculiar, é que conseguimos nos destacar, tendo uma penetração maior do que se nós três tivéssemos montado uma banda de samba-funk ou algo do gênero. 

Marcos Campello – Sim, houve um impacto!

Felipe Zenícola – Com o nosso som conseguimos nos apresentar em outros estados e ir ao Chile. E isso se deve muito ao período em que estamos vivendo. Imagine se um cara como o Cadu Tenório resolvesse ser músico nos anos 80! Ele não conseguiria fazer o seu som! Não seria esse fenômeno. As pessoas o ouvem hoje e pensam “que foda!”, e começam a falar e a divulgar o seu trabalho. Essa difusão é muito importante para nós.  

BD – Então já está dando para viver só de CCP?

Felipe Zenícola – Ainda não, cada um de nós tem seu respectivo trabalho, mas certamente o Chinese é o projeto ao qual mais me dedico, com o qual mais faço shows e mais produzo material. Temos grandes pretensões de que ele se torne um tipo de sustento, digamos assim. Outras bandas já conseguem. O Macaco Bong, por exemplo, correu atrás e conseguiu. Mas isso demanda muita dedicação e um desprendimento que nenhum de nós possui atualmente. 

Marcos Campello – Acho que sou o que mais está na pilha de ganhar grana apenas como músico. Faço umas gigs tocando baixo e o que mais aparecer. Tenho o projeto com o Daniel Fernandes, de free jazz samba, e estou fazendo um disco solo que já foi gravado e que está sendo mixado. Também vou gravar com um trio agora, com o Pedro Dantas e o Thomas Harres. Estou nessa onda. Acabei de fazer uma gravação que ficou foda com um pessoal de MPB no sábado, para o disco de uma amiga nossa, a Luciana Coló. E quando não rola grana nessas paradas, vou dar aula, ou então faço uma trilha. Mas esse não é o meu foco. O que eu quero é botar o Chinese pra tocar!



BD – Vocês têm alguns discos para lançar, não?

Marcos Campello – A gente produz muito. Só que isso também pode ser um problema, porque não sobra tempo de fazer o resto. A gente tem um disco com o Sam Natch, um saxofonista argentino, que está quase pronto, e outro com o [Zbigniew] Karkowski, que é um polonês de noise muito foda. Também tem um do Duplexx com o Chinese...

Felipe Zenícola – Que é a gravação de um show.

Marcos Campello – Mas esse está com o Bartolo pra ele se virar. [Risos].

Felipe Zenícola – Também temos muitas outras apresentações gravadas, inclusive uma que fizemos com o duo Epilepsia.

Renato Godoy – Além da sessão com o Umbria en Kalafate! E agora nós estamos envolvidos com um projeto novo, o Giant Dubstep, com a participação do Tantão, do Alex Zhem e do André Neme. Vamos nos apresentar no dia 15 de novembro, no Circo Voador, e talvez gravemos algo depois...

Marcos Campello – Pô! Se alguém quiser mixar essa parada toda, a gente agradece! [Gargalhadas]

Felipe Zenícola – É engraçado isso tudo, porque o Chinese é muito focado no improviso, algo essencialmente efêmero, mas lança vários discos, deixando registrado muitas dessas improvisações. O que eu acho bastante positivo, porque pontua a nossa trajetória, deixa um rastro...

Marcos Campello – Quando você é um improvisador, faz sentido lançar muita coisa. Porque é um negócio que passa. Se eu fico um ano pra lançar um disco desses, vou acabar revendo e achando tudo uma merda! [Risos]. Vou desistir de lançar! Acho importante ter os discos físicos e tirar algum cascalho desse troço. Hoje a gente tem os meios para produzir as coisas, ficou muito fácil gravar um material bom, com som foda, e mixar. Mas, ao mesmo tempo, dá um puta trabalho lançar um disco físico. Porque você tem que arrumar um designer pra fazer uma capa maneira, depois tem que ir pra uma gráfica, tem que prensar... Isso gasta uma grana! Então, existe um hiato entre a produção e a veiculação física das nossas coisas. E aí acontece o que vem acontecendo: a gente vai pra um lugar tocar e aparece nêgo querendo comprar alguma coisa nossa e pô, só tenho sete do nosso primeiro EP pra vender! A gente também fez umas 20 camisas e já acabou tudo! Não tem mais nada! Até hoje não conseguimos prensar o  “Worm Love”! 

BD – Indo para uma questão mais técnica, alguns jornalistas chamam vocês de artistas experimentais, mas, de forma geral, percebo que a maioria prefere ser chamada de improvisadores. Poderiam falar a respeito?

Felipe Zenícola – “Experimental” é um termo ruim. Originalmente, ele está associado ao processo e não ao fim. Trata-se do momento em que você testa recursos, seja em relação aos instrumentos, seja em relação à própria música. Mas isso não chega a me irritar a ponto de sair por aí dizendo: “Hei! Experimental não pode!”. Como já disse, só considero um termo ruim. Porque vejo claramente que esses artistas que são chamados de experimentais são, antes de mais nada, improvisadores. Eles exploram seus instrumentos, gravam, editam, lançam o disco, mas tudo isso é fruto de um processo de improvisação. Acho esse termo bem mais interessante, até por ele não remeter necessariamente a uma estética específica. Por exemplo, o Cadu Tenório e o Chinese fazem trabalhos bem diferentes, mas que são criados a partir da improvisação. 

Marcos Campello – Eu discordo um pouco. Também acho que o “experimental” pode estar muito preso a essa ideia de processo, mas se eu falar que sou improvisador, podem pensar que faço improvisação livre, como aqueles malucos europeus que fazem improvisação superabstrata e árida. Tanto um termo como o outro reduzem bastante a ideia. Acho que o cara tem que ir ao show pra ver qualé. Ou então dar um confere no Soundcloud e ouvir. Porque se basear só no que as pessoas escrevem não vai dar certo. Ele pode ter uma impressão muito distorcida da coisa. 



BD – Falando em malucos, enquanto alguns blogs chamam o som do Chinese de “bizarro”, “esquizofrênico” e “completamente doido”, outros dizem que vocês são a salvação da pátria da música carioca, deixando de fora bandas mais pop, como o Tono e Do Amor. É muito complicado lidar com essas críticas?

Renato Godoy – Se você for analisar, verá que tanto o Tono quanto o Do Amor são bandas que, de alguma maneira, também trazem elementos que fogem do padrão pop do que está sendo feito hoje em dia. Acho que eles não são tão distantes assim de nós. Por exemplo: o Manso é um cara que trabalha com inserções de noise. Podemos não ter o mesmo público, mas, com certeza, existe um aspecto experimental dentro dessas duas bandas. 

Marcos Campello – Uma crítica nunca é objetiva. No caso dessas relacionadas ao Chinese, o resultado depende muito do background do cara que está escrevendo. Se ele curte noise e free europeu e estava na secura do Rio, que não tinha porra nenhuma acontecendo, vai acabar escrevendo: “Pô, o Chinese é foda, salvou a cidade!”. Mas se curtir pop ou outro som diferente do nosso, ele vai falar que a gente é muito doido. Talvez por não ter o conhecimento ou as referências necessárias. Na verdade, não vejo o Chinese nem como salvador da pátria, nem como uma banda de doidos. Ok, temos alguns momentos muito loucos, mas isso não é a nossa marca principal. Pra mim, o Chinese é, antes de tudo, uma experiência de show. Acho que é legal ouvir os discos e os EPs, mas quando você vai ao show é que consegue perceber que porra é essa que está acontecendo. Por exemplo, quando saiu o “Worm Love”, fomos ler umas resenhas... Cara, falaram que a gente era uma banda de metal! [Gargalhadas]. Porra, nós temos um monte de coisa lançada, é só pesquisar! Se o cara parar para ouvir, vai perceber que temos várias facetas. O Chinese tem um som aberto, com várias referências. O “Worm” foi feito em uma hora e meia de estúdio. Foi apenas uma sessão. É obvio que teria a cara do momento. E, naquele dia, estávamos nessa onda. Acho meio leviano você fazer uma resenha rapidinha dizendo que o disco é muito doido ou algo assim. Porque é óbvio que não é só isso.

Felipe Zenícola – Tentando responder à pergunta, acho que todos esses artistas que são chamados de experimentais trouxeram um elemento que estava em falta na música carioca, que é a visceralidade. Uma visceralidade que já existiu no punk e em outros gêneros, mas que é trazida agora em outro contexto, bem diferente de bandas que você vê por aí. E isso instiga, toca as pessoas. De modo positivo. Independente de a música ser muito experimental ou não... O Negro Leo, por exemplo, consegue com um arranjo metrificado e pop fazer um trabalho extremamente visceral. Pela postura dele, por sua presença no palco, pela voz. Isso é muito foda. E me remete a outros momentos da música brasileira, em que havia essa vontade, essa urgência.


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