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marcus preto | foto: vitor jorge
Há alguns anos, São Paulo já vinha dando sinais de que algo importante estava por acontecer. Bastava dar uma passada pelo Studio SP, na Vila Madalena, e observar a movimentação. Ou então notar alguns nomes que começavam a pipocar nos principais jornais da cidade: Céu, Tiê, Romulo Fróes, Curumin, Thiago Pethit... Todos artistas independentes, com forte trabalho autoral e tendo como QG a capital paulistana. Nessa mesma época, também era possível assistir a um acontecimento importante: músicos de diversos estados do país – com o predomínio dos pernambucanos e cearenses – passaram a circular pela cidade, fomentando ainda mais a cena local. Toda essa agitação serviu para arrumar o terreno para que, em 2010, três novos artistas lançassem seus primeiros e festejados trabalhos: Tulipa Ruiz, Marcelo Jeneci e Karina Buhr (ex-Comadre Fulozinha) foram a prova definitiva do quão estimulante e pertinente era a música que vinha sendo feita na cidade. Essa efervescência atingiu seu auge no ano seguinte, quando Criolo e seu álbum “Nó Na Orelha” alcançaram uma popularidade inimaginável para o nicho independente.
Encontrando-se bem no olho do furacão, o jornalista Marcus Preto foi um dos responsáveis pela consolidação dessa cena. Após passar por revistas como Rolling Stone, Bravo! e Época, trabalhou por quatro anos como crítico e repórter musical da Folha de S.Paulo, dando destaque a vários artistas como Rodrigo Campos, Karina Buhr, Tulipa Ruiz, Andreia Dias e Romulo Fróes. Paralelamente, foi diretor musical do site Música de Bolso, projeto que, ao lado do veterano TramaVirtual, serviu como guia para o que vinha acontecendo de novo no cenário musical brasileiro. Em 2013, após sua saída da Folha, realizou a curadoria do álbum “Coitadinha Bem Feito”, em que artistas da nova geração interpretaram canções de Ângela Ro Ro. Nesse mesmo ano, tornou-se apresentador do programa “Com a Boca no Mundo”, na Oi FM, e passou a comandar os projetos “Trampolim”, na Miranda (RJ), e “Grandes Artistas”, no Espaço Revista Cult (SP), entrevistando diversos nomes da MPB. Também atuou diretamente no EP “Tribunal do Feicebuqui”, de Tom Zé, com quem vem, há alguns anos, elaborando uma biografia.
Expandindo os limites de sua área de atuação, Marcus tornou-se figura ativa da cena musical paulistana e um de seus principais personagens. Sendo assim, o Banda Desenhada o convidou para uma entrevista, realizada através de uma troca constante de e-mails e bate-papos, onde o jornalista e produtor musical falou a respeito de sua carreira, projetos e, claro, da cena de São Paulo.

BD – Seu nome está muito ligado à neoMPB e, principalmente, à cena paulistana. Como foi o seu primeiro contato com essa geração e o que o atraiu nela? 

Marcus Preto – Meus primeiros contatos foram, em muitos casos, nos primeiros shows desses artistas. Muita coisa aconteceu no Studio SP, ninguém pode negar. Foi no Studio da Vila Madalena, por exemplo, que vi o primeiro show da Tulipa Ruiz (era o primeiro da vida dela, no projeto “Cedo e Sentado”, curado pelo jornalista Ronaldo Evangelista). E também as sessões do Coleta Seletiva, em que o Daniel Ganjaman e a Thalma de Freitas exercitaram alguma coisa que, no final das contas, foi depositada no genial primeiro álbum do Criolo pós-rap. No [Studio SP] da [Rua] Augusta, me lembro de ter visto o lançamento do primeiro álbum da Tiê, “Sweet Jardim”, e tinha uma boa fatia dessa galera por lá, alguns ainda totalmente desconhecidos. Mas, antes mesmo do Studio SP, havia o projeto “Dois em Um”, no Avenida Clube (casa de shows que depois virou Estúdio Emme e agora está meio desativado). Esse projeto merece ser citado sempre, mas ninguém se lembra muito dele. Ali vi, pela primeira vez, o Tatá Aeroplano – como DJ e como vocalista do Cérebro Eletrônico e do Jumbo Elektro. Também aconteceram nesse projeto um dos primeiros shows mais profissionais do Cansei de Ser Sexy, por exemplo. Muito antes do primeiro disco. Vi Vanguart ali. E também Mombojó, Los Porongas, Romulo Fróes, Los Pirata, um monte de coisa. O que me atraiu nessa geração é a música que faz. Atraía moderadamente, no começo. Mas muitos desses artistas amadureceram incrivelmente rápido. E hoje eu sou fã de vários deles. Falam uma língua que tem tudo a ver com nossos tempos. São mais autorais e trabalham em um esquema quase desvinculado das maneiras oficiais – coisa que interessa não só a mim, mas também ao desenvolvimento do mercado. Muito do que esses artistas experimentaram na raça está sendo aproveitado agora por nomes grandes da música.

BD – Bem, sendo a maioria desses artistas independentes, ou seja, sem ter à sua disposição o aparato das gravadoras e de seus departamentos de marketing, como você conseguiu inseri-la na “Folha”? Não houve quem questionasse suas pautas?

Marcus Preto – Isso sempre há, não importa se os nomes em questão são independentes ou ligados a uma grande empresa. E nem é uma coisa ruim, muito pelo contrário. De ruim, o que sempre houve – e agora eu não estou falando da “Folha”, mas de quase todos os jornais e revistas paulistanas – é uma autocrítica burra e provinciana que funciona mais ou menos assim: se cinco pessoas estão fazendo uma música interessante no Pará (ou em qualquer outro estado: quanto mais longe, melhor), isso configura uma cena relevante; mas, se 50 pessoas estão fazendo uma música interessante em São Paulo, isso configura um monte de amigos que o repórter quer que apareçam. Como boa parte dos artistas em que eu acreditava naquele momento fazia parte de uma movimentação paulistana, tive que lutar muitas vezes contra esse complexo de inferioridade. E, até que os nomes que eu defendia se tornassem importantes em seus nichos, minhas palavras continuavam sob suspeita. Lembro que, quando escrevi meu primeiro texto sobre o Criolo, a ombudsman do jornal me chamou de “deslumbrado”. Hoje, acho isso um símbolo importante. Mas é bom ressaltar que, na “Folha”, ao menos nos meus primeiros anos de casa, em 2009 e 2010, os artistas emergentes interessavam muito. Pela novidade. Por se tratar de nomes que o jornal, de alguma maneira, estava levando pela primeira vez ao leitor. A “descoberta” era uma moeda forte.

mariana aydar  | foto: daryan dornelles
BD – No primeiro momento, causou espanto, principalmente para cariocas mais desavisados, a ascensão da cena paulistana. Até por conta do nosso assumido preconceito, parecia impossível sair trabalhos tão interessantes de uma cidade que já foi chamada de “túmulo do samba”. Afinal, o que gerou esse boom de novos artistas em São Paulo?

Marcus Preto – Historicamente, o Rio sempre cumpriu papel muito importante na engrenagem da música brasileira, tanto pra criação artística quanto pra amplificação. Mesmo a essencial música baiana e gaúcha, de Dorival Caymmi a Lupicínio Rodrigues, teve de ser processada, aprovada e embalada pelo Rio para chegar ao resto do Brasil. Quase sempre foi assim. Imagino que isso tenha a ver com a indústria: a Rádio Nacional era lá, a Globo é lá, as grandes gravadoras sempre estiveram lá. (É verdade que a TV Record é aqui e, na Era dos Festivais, nos anos 60, São Paulo sediou um movimento inacreditavelmente forte para a MPB. Mas, tropicália à parte, quase toda a música produzida naquele ambiente era derivada do samba de morro – a tal música de protesto – ou da bossa nova. A raiz era, portanto, mais carioca do que de qualquer outro lugar). Não há dúvida de que esse poder da máquina criada no Rio de Janeiro foi fundamental para que a música se estabelecesse como a principal forma de arte do Brasil. Por outro lado, essa mesma indústria não era exatamente um estímulo para quem quisesse bancar seu caminho. Houve muita gente que conseguiu furar o cerco – no Rio (como Antonio Adolfo, Danilo Caymmi e o grupo Boca Livre), em São Paulo (como os nomes ligados à vanguarda paulista) e em vários outros cantos. Mas isso era exceção. Corta. O tempo passou, o mundo girou. Foi justamente quando surgiu a possibilidade efetiva de fazer música sem esse filtro industrial (ou seja: desde o final dos anos 1990, mas com muito mais frequência e facilidade a partir de meados dos 2000) que São Paulo aflorou. Por quê? Acredito que tem muito a ver com a vocação empreendedora da cidade. Artistas que não têm mais uma empresa (gravadora, emissora de TV etc.) que cuide de suas carreiras têm de se virar por conta própria, e isso inclui fazer contas, inscrever-se em editais, buscar parcerias, descolar dinheiro pra gravar discos. Nisso, São Paulo é mais esperta do que o Rio. E nem estou sendo bairrista: há dois anos, fiz uma reportagem sobre a cena carioca e Plínio Profeta, dono do Studio RJ, me disse justamente isso – que os artistas do Rio precisavam aprender a se organizar como os de São Paulo. Bem, mas até aqui, só falei de modo de produção. E no campo estético? Tenho certeza de que muito da grandeza que há nos trabalhos dos novos paulistas vem da convivência com os artistas pernambucanos (Nação Zumbi, China, Mombojó, Karina Buhr etc.) e cearenses (Cidadão Instigado) que vieram morar na cidade na década passada. Eles nos ensinaram muito, nos ajudaram a perder preconceitos musicais, entraram no nosso DNA. É por isso que o lugar para um músico novo estar não é mais o Rio, como era nos tempos da indústria forte, em que se podia encontrar um fodão de gravadora na Pizzaria Guanabara e a vida estava andada. Isso acabou. O lugar fomentador de música, ao menos nesses últimos anos, é São Paulo. Aqui, mesmo o que é feito à margem da indústria (ou do que restou dela) tem melhores chances de acontecer.

BD – Mas também havia um cenário propício em São Paulo, não? Com o circuito dos Sescs, Studio SP e outras casas que possibilitaram que estes novos artistas mostrassem seus trabalhos.

Marcus Preto – O Sesc sempre foi uma mão na roda pra cultura em São Paulo. Mas, por uma questão de demanda do público, as unidades sempre contemplaram mais espetáculos de artistas veteranos de médio ou grande porte do que de pequenos novatos. Isso é lógico e tem mesmo de ser assim. O público busca a música que já conhece, o artista que já sabe que gosta. São poucas as pessoas que se interessam tanto por música a ponto de se atirar no desconhecido, ir experimentar algo completamente inédito. Ainda assim, o Sesc inventou um espaço pra promover essa experiência, o Prata da Casa, um projeto bacanudo que rola no Pompeia desde 1999 ou 2000. Nele, só tocam (com ingressos gratuitos) artistas com no máximo um disco lançado. Vários desses nomes de quem a gente está falando tocaram no Prata, mas tocam lá também artistas novos de todos os outros estados do Brasil. Ele não está fechado na nova cena paulista. O que não se pode dizer (mas alguns idiotas já disseram) é que esses novos artistas “vivem do Sesc”. Isso é ignorância. Ou má fé. Em primeiro lugar, porque os cachês são sempre proporcionais ao tamanho do artista. Depois, porque as regras do Sesc obrigam a uma quarentena: se o fulano faz um show hoje, não pode fazer outro no Sesc por, sei lá, seis meses. Que artista poderia viver por seis meses (e sustentar a banda) com o cachê de um único show? Tolice. O Sesc não foi patrocinador da nova cena paulista, e nem era essa a função dele. Foi uma vitrine? Um pouco. Mas fez isso democraticamente com artistas de outros tamanhos, de outras cidades, de outros tempos. Já o Studio SP foi fundamental como vitrine específica da galera nova. A casa nasceu meio junto com a cena, então uma mão lavava a outra. E foi mais isso, um levantando a do outro, do que “o Studio estava lá à espera, pronto pra receber e bancar essa nova geração da cidade”. O cenário não estava propício. Ele foi se construindo junto com os artistas.

tiê | foto: daryan dornelles

BD – Com relação a rótulos e classificações, vários artistas e pesquisadores criticam bastante o uso do termo “neoMPB” que você já vem utilizando há um bom tempo. Realmente ele é o mais adequado? Até mesmo nós, que também o utilizamos, sentimos um pouco de desconforto... 

Marcus Preto – Eu nem sabia que usava esse termo, neoMPB. Talvez não use com tanta constância assim. O que lembro em relação a isso é daquela capa da “Serafina” que tem alguns desses novos artistas reproduzindo, com humor, a capa do álbum “Tropicália”. Quando estávamos fechando a revista, a editora me pediu uma sugestão para a chamada. Perguntou se eu achava que “Neo Tropicália” era adequado. Eu cravei ali um “NeoMPB”. Mais pra tirar a sensação de alguém que está seguindo uma estética preexistente. A Tropicália é uma estética específica, a MPB é qualquer música feita no país. Nem acho que neoMPB seja um termo muito definidor, mas, pensando agora, gosto mais assim. Porque, desde Los Hermanos, tudo é MPB. Rock é MPB, funk é MPB, música eletrônica é MPB, rap é MPB. E eu gosto muito que esses artistas, tão vigorosos que são, possam quebrar o preconceito que os “defensores” da própria MPB tradicional trouxeram para o rótulo. MPB virou sinônimo de música careta. E não é para ser isso. Esconjuro! MPB é música popular brasileira. É o que são todos esses caras do samba, do rap, do rock, do funk carioca. Do termo “Nova MPB” eu gosto bem menos: tem cara de nome de emissora de rádio.

BD – Por falar na Serafina, a sua matéria a respeito da nova geração e, principalmente, o conceito das fotos, comparando-a com os tropicalistas, causou polêmica nas redes sociais, deixando alguns artistas bastante consternados. Você esperava por isso? 

Marcus Preto – Ficaram consternados, foi? Engraçado saber. É uma visão externa, sempre mais divertida do que a de quem está olhando do lado de dentro. Em mim, isso não chegou. Eu, pessoalmente, não vi nessa reportagem a tal comparação que você aponta. Fugi dela. E o texto, se é que alguém lê textos, diz justamente o contrário. Fala dos contrastes entre a maneira de trabalhar das diferentes gerações – nunca das semelhanças estéticas entre elas.

BD – Mas, afinal, o que há de positivo em se comparar ou associar uma geração a outra, principalmente em se tratando de figuras tão icônicas como Gal Costa, Caetano e Gil? 

Marcus Preto – O que tentei fazer ali foi chamar a atenção do leitor para figuras que ele conhecia pouco, ou que ainda não conhecia. Já tinha entrevistado quase todos eles para a “Ilustrada”. Não dava para repetir a apresentação na “Serafina”. O que fazer? Pensei como em publicidade, mesmo. Como levar o leitor a se interessar por um assunto novo para ele? Resposta: pegando o fulano pela memória afetiva. Colando esse assunto em algum signo que ele conheça desde sempre, pelo qual tenha carinho. As capas dos discos clássicos, por exemplo. Veja bem: até quem não se interessa por música brasileira conhece, digamos, aquela capa do primeiro LP dos Secos & Molhados. Então, usei os Secos & Molhados para atrair os olhares dos passantes para nomes que já tinham sido apresentados à paisana na “Ilustrada”, mas que talvez eles não tivessem visto, não lembrassem. Não acho que todas as matérias têm de usar esse recurso. Mas acho que ele pode valer em alguns casos. Nesse, me parece que valeu – não deve ser à toa que estamos falando dessa reportagem agora. E quem achou que, naquela matéria, eu estava buscando um correspondente atual para um artista veterano só pode estar maluco: os Secos & Molhados eram, por exemplo, quatro mulheres. Não vejo a Mariana Aydar como o novo João Ricardo, a Anelis Assumpção como o novo Gerson Conrad e nem a Andreia Dias como o novo Ney Matogrosso. Alguém achou que eu via? Bem, mas, no final das contas, fiquei muito feliz com essa reportagem. E, se houve repercussão negativa, melhor ainda. Polêmica é sempre melhor do que marasmo.

romulo fróes | foto: daryan dornelles

BD – Bem, pra fechar este assunto: nessa matéria, você fala da distância, principalmente em termos de popularidade, entre os artistas independentes e os que frequentam a parada de sucesso nacional, como Ivete Sangalo, Michel Teló, Ana Carolina e afins. Você acredita que é possível desenvolver satisfatoriamente uma carreira estando tão à margem do mainstream?

Marcus Preto – São várias as respostas, porque “é possível desenvolver satisfatoriamente uma carreira...” são várias perguntas. Do ponto de vista do público (ou de quem observa o artista), não é só possível como é necessário que haja carreiras – e projetos artísticos – se desenvolvendo à margem do mainstream. Nem todo mundo precisa estar no Faustão. Jards Macalé, a quem vocês dedicaram um tributo recentemente, desenvolveu sua história à margem do mainstream. Fez os primeiros discos por gravadoras grandes, é verdade. Mas nem mesmo esses foram trabalhados pela indústria como álbuns comerciais, não viraram música pop. Não entraram para o mainstream, digamos assim. O mesmo aconteceu com Jorge Mautner, Walter Franco, Tom Zé, Sérgio Sampaio, João Donato e outros muitos caras geniais que só o tempo foi capaz de trazer para cima (alguns ainda esperam seu momento). Outros artistas que usaram a margem como rio principal na carreira foram Arrigo Barnabé, Antonio Adolfo e, claro, Itamar Assumpção. Itamar foi ainda mais à margem do que Jards, Mautner, Tom Zé & Cia, pois até os primeiros discos dele foram gravados em selos independentes. Agora, devolvo a pergunta: foi possível a esses artistas desenvolver uma carreira satisfatória? Do ponto de vista do público, claro que sim. Muito mais satisfatória do que mais da metade das carreiras produzidas sob o guarda-chuva do mainstream. E do ponto de vista do artista? Bem, nesse caso, é só o próprio artista que pode responder. E cada um tem as suas necessidades, suas contas a pagar e sua realidade de público. 

BD – Mas, excetuando alguns grandes nomes da cena independente, a maioria costuma reclamar bastante da falta de infraestrutura e de uma agenda de shows mais regular...

Marcus Preto – É preciso atentar para o fato de que isso não é uma questão específica nem dos artistas novos e nem do, digamos, underground (esse termo envelheceu e faz pouco sentido no nosso contexto, uso ele aqui apenas para ter algo que se oponha a “mainstream”). Os artistas grandes também sofrem com o pouco número de shows. Basta lembrar, por exemplo, que Caetano Veloso ou Rita Lee faziam, há 20 anos, temporadas de quinta a domingo, por dois meses seguidos, em casas de 1500 pessoas. Hoje, fazem duas ou três apresentações em lugares daquele tamanho. No máximo. E talvez não consigam lotar todas elas. O mundo mudou geral. E se tem alguém um pouco mais preparado para lidar com isso é o artista que nasceu nesse mundo mudado. Vamos à luta!

BD – Por falar em grandes nomes da MPB, você afirmou certa vez que “o disco da Tulipa Ruiz, o disco do Criolo, do Romulo Fróes, são todos mais legais do que isso”, no caso, o álbum “Chico”, de Chico Buarque... 

Marcus Preto – Eu disse isso no “Metrópolis”, o programa da TV Cultura. Recebi um convite pra falar do disco novo do Chico e fui. Não havia escrito sobre ele na “Folha” porque estava de férias na semana do lançamento. E vi, de casa, muita gente dizendo barbaridades: “Finalmente um disco bom chega às lojas”; “Fazia tempo que nada acontecia na cena brasileira com tamanha relevância”; “Chico Buarque volta para ensinar como se faz boa música”. No “Metrópolis”, pude me colocar minimamente contra isso tudo. Disse justamente o que você citou – e que, estou certo, continua valendo: o primeiro disco da Tulipa Ruiz, o do Criolo e todos os últimos do Romulo Fróes são muito mais relevantes ao Brasil do que “Chico”. E poderia acrescentar mais algumas dezenas nessa lista, como os dois da Karina Buhr, os dois mais recentes da Mallu Magalhães, o do Felipe Cordeiro, qualquer um do Marcelo Camelo, os dois do Rodrigo Campos, todos os do Passo Torto e do Metá Metá, o segundo da Trupe Chá de Boldo, os de estreia do Silva e do Terno, o do Domenico Lancelotti, o da Gaby Amarantos. Muitos. E isso não coloca nenhum desses novos nomes contra Chico Buarque. Chico é um dos caras que, dada a grandeza da obra e o momento histórico em que ela foi erguida, age em qualquer artista que veio depois dele. Está na essência de todos esses caras que eu citei, e na minha, e na sua. É, ainda hoje, um dos maiores compositores do mundo. Mas o disco dele, apesar de ter grandes composições, não tem nenhum lampejo de atualização sonora. É a mesma banda de sempre, são os mesmos timbres, os mesmos procedimentos de execução e gravação. As composições de Chico Buarque caminham, mas o som dele não vai para lugar nenhum há décadas. Resumindo, Chico Buarque é incomparavelmente maior e mais exuberante do que “Chico”. Alguém duvida disso? Nesse mesmo “Metrópolis”, eu disse que “Chico” parecia um álbum póstumo. Como se o Chico Buarque tivesse morrido e sua gravadora juntasse em CD as sobras de estúdio dos trabalhos dele nos anos 1990. Neguinho entendeu que eu tinha dito: “Chico Buarque está morto”. Que bobagem. Mas cada um entende o que quer.

kiko dinnucci | foto: daryan dornelles

BD – Em seu Facebook, você deixou um recado bastante claro para os novos artistas: “Atenção, se você é uma cantora da nova geração, não grave em seu primeiro álbum NENHUMA música de Chico Buarque. Nem de Dorival Caymmi. Nem de Noel Rosa. Nem de Tom Jobim. Ninguém mais cai nessa lorota. Grato”. Estas falas promovem claramente um embate geracional...

Marcus Preto – Não é um embate de gerações, acredite. Parece perseguição com o Chico, né? Mas é que o cara é tão fundamental na nossa história musical que tudo o que ele faz importa, diz alguma coisa ao Brasil, interessa e merece discussão. Em primeiro lugar, é preciso dizer que sou louco de amor e devoção pela obra de Chico Buarque. E pela de Caymmi, Noel e Jobim. Não sou louco e nem sou surdo. Ouvi essas canções ao infinito na adolescência. Esses autores são figuras fundamentais na minha formação, na criação na minha personalidade (embora ela seja feita mais de Caetano do que de Chico). Na semana em que escrevi isso no Facebook, tinha recebido uma meia dúzia de discos em que novas cantoras reinterpretavam, pela enésima vez, alguma composição desses autores clássicos. É evidente que a “lorota” a que eu meu referia não eram Chico, Caymmi, Noel, Jobim – mas as cantoras que insistiam em fazer versões sempre mais rasas das obras deles. Não dá pra essas moças, perdidinhas da silva, acharem que é só juntar no disco músicas “de um bom gosto acima de qualquer suspeita” que a integridade artística delas estará salva. Não! É estúpido! Tributo a Noel, a Vinicius, a Chico, a Caymmi, a Jobim? Nada disso pode mais. Essas músicas não precisam ser “resgatadas” porque elas estão aí. A não ser que a fulana perverta aquilo, traga novos significados, conteúdos que as gravações anteriores ainda não deram conta de revelar. Aí, tudo vale a pena. Mas regravar “Águas de Março” só porque acha a própria voz bonita? Isso é vaidade rasa! Essa gente usa um rótulo falso de “respeito pela nossa tradição” pra tentar disfarçar a própria incompetência pra entender e transformar as coisas. São incapazes de atingir a essência das obras de caras como Jobim, Noel e Caymmi pra de fato intervir nelas. Então, trabalham na superfície, tentando “imitar” o que, para eles, parecem ser Jobim, Noel e Caymmi. E isso é sempre menos do que eles são. Agem como se Noel, por exemplo, fosse algo que tem a ver com o bisavô deles – e não com o que o bisavô era em 1926, mas com o que o bisavô é hoje, em 2013. Não entendem que, se Noel Rosa estivesse vivo e tão criativo quanto estava quando fez “Feitiço da Vila”, ele JAMAIS estaria fazendo outra “Feitiço da Vila”. Recentemente, fiz a direção artística de um álbum em que novos nomes interpretavam canções de Ângela Ro Ro. E fiquei com medo de cair nessa cilada. Então, achei um norte: “Quero que os fãs da Ângela ODEIEM esse disco”. Pronto. Não trabalhei pra eles, e muito menos pra “confortar” quem já gosta da cantora. O que fiz foi usar as canções geniais da Ângela como matéria-prima pras loucuras e pras experiências desses novos artistas. E, você há de convir, “loucura” e “experiência” têm muito mais a ver com a personalidade inquieta da Ângela Ro Ro do que “conforto”. Isso sim é respeitar o artista.

BD – Esta questão do embate entre a tradição e o novo me remeteu a uma declaração recente de Nana Caymmi, que chegou a dizer que não vê “nada que preste na canção popular brasileira atualmente”. 

Marcus Preto – Nana Caymmi não é só uma das melhores cantoras do Brasil. Ela é uma das maiores do mundo. Isso não significa que saiba do que está falando. É comum, em artistas veteranos, essa pouca paciência com o que está chegando. Mais comum ainda é o artista envelhecer e não conseguir entender a mutação estética da música, os ciclos do mundo. Nana ainda quer canções “novas” que tenham a mesmíssima cara daquelas que gravou nos anos 70. Como não encontra, acaba gravando apenas boleros, boleros, boleros – quase todos inferiores aos que gravou no passado. Há canções sendo produzidas hoje que se encaixariam incrivelmente ao timbre e à intensidade daquela voz deslumbrante. Mas, além de saber procurar, seria necessário que Nana se deixasse transformar pelas novas canções. Pouca gente da velha guarda tem disposição pra isso. Caetano, Tom Zé e alguns poucos. O mais irônico, no caso de Nana, é que até em casa ela tem música nova que presta. Alice Caymmi, sobrinha dela, além de ser uma cantora excepcional (até porque tem o gene de Nana na voz, que vem de Stella, mulher do Dorival), já se mostra uma compositora promissora. Tem potencial pra seguir com a linhagem da família. Alice está crescendo rapidamente como artista, basta acompanhar as postagens dela nas redes sociais. Parece ter percebido logo que ser fiel a essa linhagem familiar não é imitar Nana cantando boleros, mas ir adiante.

karina buhr | foto: daryan dornelles
BD – Além desse comentário da Nana, surgiram nos últimos anos algumas críticas a respeito das relações entre artistas e jornalistas. Creio que a mais notória foi a do Álvaro Pereira Júnior, em 2011, ao dizer que “praticamente não há mais distinção entre jornalistas e músicos. (...) É todo mundo muito amigo, tudo é muito fofo, tudo é muito ‘amor’”. Como você encarou essa fala?

Marcus Preto – Existe de tudo, até gente que acha tudo muito fofo, muito amor. Mas hoje as duas pontas – artista e jornalista – estão mesmo mais próximas do que eram no passado. Com a redução das equipes nas redações, o mesmo repórter que entrevista o artista, que vasculha a cena, que frequenta audições e saraus (sim, eles existem!) acaba tendo que escrever críticas (isso ainda existe?) dos discos de caras que ele encontra pelo menos uma vez por semana. Isso é um problema? Pode ser e pode não ser, existe de tudo. O que não pode existir é jornalista de música que não sai a campo, que fica na redação esperando a assessoria de imprensa enviar o disco do artista. Ou assistindo pelo YouTube a música acontecer lá fora. Não pode! Nesses nossos tempos, as éticas têm de ser menos genéricas, cada um tem de cuidar da sua. Pra mim, é simples: eu preciso me manter fiel ao leitor e à música, sobre todas as coisas. E jamais enganar, nem um e nem outro, inventando polêmicas. Isso é o mesmo que inventar notícia. É desonesto. O jornalismo que eu faço pretende (e “pretende” é a palavra exata, já que nem sempre ele consegue) fazer uma ponte entre o leitor e a música. Esses dois são os personagens principais do meu texto. E tem mais: não tenho nenhum interesse em me transformar na Madonna, nem quero colocar o leitor e a música na posição de meros espectadores das minhas gracinhas, dos meus malabarismos, da minha “metralhadora giratória”, da minha “personalidade intempestiva”. Essa escola do “jornalismo clown” datou. Não me interessa.

BD – Você, além de crítico, sempre foi um fomentador da cena, até por conta de seus projetos paralelos, como o Música de Bolso. Você acha importante que o jornalista tenha esse papel?

Marcus Preto – Olha, cada pessoa é um mundo. Eu nunca consegui ficar parado em uma história só. Não entendo gente que passa a vida no mesmo emprego, fazendo a mesma coisa pras mesmas pessoas, que vão envelhecendo, envelhecendo, morrendo. Música pra mim é vital desde a adolescência, desde os 13 anos, quando eu percebi que não era cinema que eu queria fazer (era minha primeira opção, e eu via todos os filmes brasileiros que tinha acesso). Então, não basta ouvir música, tem que escrever sobre ela. E não basta escrever, tem que filmar. E não basta filmar, tem que gravar. E não basta gravar. A bola de neve vai crescendo e não tem fim. Tomara que não tenha. Mas há jornalistas brilhantes que fazem só jornalismo e pronto. Se bem que não. Talvez não haja. Pensando bem, acho que todo jornalista que eu admiro ou admirei botou a cabeça pra fora da casinha, uma hora ou outra – fez um filme, escreveu um romance, uma peça de teatro, pintou um quadro, qualquer coisa. Eu não sou músico, e nem pretendo. Mas me comunico comigo mesmo e com o mundo por meio da música. Ela também é minha forma de expressão. Vê se não é a sua, também. Sendo assim, se eu ficasse limitado somente, por exemplo, à redação de um jornal, eu morreria afogado – como já quase morri. Se é importante pros outros jornalistas? Não faço ideia. Pra mim, é fundamental. 

BD – Poderia falar um pouco do Música de Bolso? Ele foi muito importante não só para divulgar os novos artistas como também serviu de norte para muitas pessoas que estavam interessadas em saber o que acontecia de novo na música brasileira.

Marcus Preto – A história começou em 2007, quando três amigos cineastas, o Daniel Ribeiro, o Rafael Gomes e a Tati Fujimori, apareceram em casa com a ideia: produzirmos vídeos inéditos de artistas tocando ao vivo em lugares improváveis. Obviamente, eu topei na hora. É importante lembrar que, àquela altura, ninguém tinha celulares com câmeras. Por isso, esse tipo de registro, era realmente precioso, raro. Colocamos quase 400 vídeos no ar, um acervo incrível que vai de nomes que já estavam consagrados naquele momento, como o Pato Fu (nosso primeiro volume), a Zélia Duncan, o Marcelo Camelo e o Arnaldo Antunes, como gente que ascenderia a seguir, feito Tulipa, Momo, Luisa Maita, Letuce. O projeto teve algumas boas chances de crescer, quase colocamos em um grande portal. Mas, sempre que buscamos parcerias com o mainstream, os caras queriam modificar o negócio, enfiar logo da empresa, essas coisas que você pode imaginar. Acabou que nunca topamos e fizemos essas quatro centenas de vídeos sem ganhar um real. Isso fez muito sentido por bastante tempo, faria até hoje. Mas agora ele está parado. No ar, mas sem atualizações. Estamos os quatro muito pegados com várias outras histórias, também muito legais (o Rafael é um dos roteiristas mais promissores desta geração e o Daniel vai estrear o primeiro longa ainda neste ano), e o tempo que um projeto como o Música de Bolso consome não existe mais nas nossas vidas. Pense: eram dois vídeos por semana. E exigiam o contato com os artistas, a produção da locação, gravações, edição... Nem acredito que fizemos tanto.

criolo | foto: daryan dornelles

BD – E, ao sair da “Folha”, você diversificou ainda mais o seu campo de ação...

Marcus Preto – Jornalismo nunca foi o meu norte, a música é que sempre foi. É ela que me leva. É por isso que eu não sou do tipo de jornalista que possa ser deslocado da minha área. Não sei se todos os leitores do Banda Desenhada sabem disso, mas o mais comum em redações é o jornalista ser um coringa, que é jogado de uma editoria pra outras quando o chefe bem quiser. “Fulano, amanhã você passa a ser repórter em Cotidiano!” E, depois de seis meses: “Estamos precisando de você pra cobrir TV!”. E o cara vai, sendo que a especialidade dele é esportes. Eu sou incapaz de ser tão versátil. Mais do que isso, acho essa versatilidade resulta quase sempre em superficialidade. Em perda para o leitor. Pra escrever sobre qualquer tema, o cara tem que ter uma vivência daquilo. E ela não se improvisa, não se constrói com o Google. Bem, mas voltando. Acho que já cumpri minha cota de estar em redação. Pensando agora, não consigo imaginar uma que me seduzisse ao ponto de eu me ver, de novo, batendo ponto. Até porque já passei pelos lugares mais legais em que era possível escrever sobre música brasileira, colaborei com a “Rolling Stone” em todas as edições dos dois primeiros anos da revista, cobri música brasileira na “Folha” por quatro anos. Pra onde eu posso querer ir agora? Pro mundo, né? Inventar moda. E, inclusive, escrever pra todos esses lugares, e outros. Mas sem ter de estar vinculado a eles, sem ter de ir pra redação.

BD - Você poderia falar de seus projetos? Há o “Trampolim” no Miranda, o programa na OiFM e você também se tornou DJ...

Marcus Preto - Esse negócio de DJ é uma brincadeira que começou em 2001, quando eu, o Pedro Alexandre Sanches e a Cris Naumovs criamos a festa Agora É Moda. Era maravilhoso, porque estávamos em um momento de baixa da música brasileira – e o título da festa, pescado numa música da Rita Lee, fazia ironia justamente com isso. Tínhamos, naquele tempo, um boom de noites de samba-rock, de black – e quem frequentava era especificamente o público segmentado de samba-rock, de black. Mas o que a gente queria tocar era tudo, era pop, era Baby Consuelo, era Alcione, era Gal Costa, era Marina Lima, era Mutantes, Roberto e Erasmo Carlos. E queria tocar pra todo mundo, pra gente comum, não pra um público segmentado. Resultado: ninguém ia à festa. Mas a gente nem ligava, achava normal. E se divertia muito. Durou mais ou menos dois anos. Recentemente, ouvindo o arranjo de Lincoln Olivetti e a interpretação da Simone pra música nonsense do Kleiton e Kledir, tive a ideia pra o nome de uma festa, “Tô q Tô”. O DJ Zé Pedro, que conheço há 12 anos, adorou a ideia e botou pilha. E está rolando. E só porque hoje os tempos são outros. As pessoas gostam de música brasileira. E o mundo é muito mais legal do que era em 2001. 
Na Oi FM, estou fazendo o programa “Com a Boca no Mundo”, também só de música brasileira. A princípio, seria só discotecagem e falação solitária. Mas inventei de levar pessoas pra conversar – quase sempre, músicos novos. Mas também teve Tom Zé (óbvio!), Zeca Pagodinho, caras mais da antiga. Está sendo sensacional, ainda que eu gagueje um bocado. 
Por fim, os projetos na Miranda (“Trampolim”), aí no Rio, como no Espaço Revista Cult (“Grandes Artistas”), aqui em São Paulo, em que tenho entrevistado músicos diante de plateia, têm sido fundamentais pra mim agora. Fazer uma entrevista diante das pessoas é completamente diferente de entrevistar sozinho. Já pensou nisso? É óbvio, mas eu nunca tinha pensado. Quando o jornalista está só com o artista, ele é o observador e o artista é o observado. Ao vivo, isso é diferente. O jornalista acaba por se tornar também um observado. Fica desprotegido. E o músico tem muito mais prática do que o jornalista pra lidar com essa situação, com essa exposição. Ou seja: estamos sempre tentando correr atrás de superar essa desvantagem. É um risco tremendo. E é muito divertido justamente por isso.

tulipa ruiz | foto: daryan dornelles
BD – E o seu trabalho ao lado do DJ Zé Pedro, do Joia Moderna, e como produtor do Tom Zé?

Marcus Preto – O Zé Pedro tinha me chamado pra fazer curadoria de um disco dele quando eu ainda estava na “Folha” – ele tinha feito a mesma coisa com outra jornalista, a Patrícia Palumbo (com as canções de Marina Lima), e depois faria com mais uma, a Lorena Calábria (sobre repertório do Cazuza). Mas eu recusei. Só aceitei quando saí do jornal. Liguei pro Zé perguntando se o convite ainda valia. É, até agora, meu único trabalho com a Joia Moderna. Foi cansativo, fiquei maluco (são 17 artistas envolvidos!), mas o resultado compensou. Outro dia mesmo, fui ao Natura Musical de BH, e muita gente que eu nem sequer conhecia veio me dizer que era fã do “Coitadinha Bem Feito”. Isso é legal demais. Com o Tom Zé, foi bem diferente. Eu ainda estava na “Folha” quando, há quatro anos, comecei a trabalhar em uma biografia dele. Com o convívio (tenho mais de cem horas de entrevistas com ele, imagina!), ele acabou me mostrando coisas que estava fazendo. E, quando rolou o lance da Coca-Cola, de as pessoas criticarem ele ferozmente nas redes sociais por ter feito a locução do comercial de refrigerante, vi Tom Zé em um estado de tristeza avassalador. Ele me disse que tinha decidido parar. Que não ia mais fazer música. Eu tomei um susto, ele falava sério. “Mas Tom Zé, como vai parar se é agora que você precisa fazer música? Vamos fazer um disco com esse negócio!” Ele me disse que não tinha energia, que não tinha ânimo e nem dinheiro para produzir, pagar a banda. “Que dinheiro, Tom Zé! Eu vou chamar uma garotada aqui que te ama, que bebe no seu trabalho. Vai ser um presente pra eles poder conviver com você, vão pirar em poder trabalhar junto.” (Pensei justamente na Trupe Chá de Boldo, n’O Terno e na Filarmônica de Pasárgada. Eu tinha feito uma parada com eles pra “Serafina” e o próprio Tom Zé tinha dado depoimento. Aquilo já tinha me dado o clique.) Mas ele não se animou muito, fui pra casa meio derrotado. Mas, no dia seguinte, logo cedo, toca o telefone: “Marquinhos, já chamou os meninos?”. Só se eu fosse um idiota completo – ou um total covarde – pra não entrar nessa de cabeça, né?

BD – Falando da curadoria do “Coitadinha Bem Feito”, como é estar do outro lado? Estar sujeito às críticas?

Marcus Preto – Ué, e você acha que jornalista não é criticado o tempo todo? Sou craque nisso. O “Coitadinha...” foi super bem aceito, nem precisei defendê-lo muito. Antes, quando saiu a notícia de que ele existiria, e com aquele elenco masculino e jovem cantando Ângela Ro Ro, muita gente ficou desconfiada. Mas aí é que está: essa desconfiança prévia é muito legal. Primeiro, porque indica que você não está fazendo o feijão com arroz. Depois, porque gera assunto, levanta a história, cria expectativa. Não gostar, sempre alguém vai. Tem gente que não gosta de João Gilberto, tem gente que não gosta do “Cê” do Caetano e do “Recanto” da Gal, tem gente que não gosta da Mallu Magalhães, tem gente que não gosta do Milton Nascimento, tem gente que não gosta da Karina Buhr, tem gente que não gosta do Guilherme Arantes, tem gente pra não gostar das melhores coisas do mundo. Por que teriam que gostar de mim, que sou tão mais suspeito do que esses todos?


5 Responses to venha até são paulo ver o que é bom pra tosse

  1. puta entrevista! faz mais! com alê matias, lúcio ribeiro, toda a galera da música.

  2. muito boa a entrevista!
    nao conhecia o site. ja add no "para ler e curtir"!

  3. importante lembrar, diretamente do olho do furacão, que antes do Studio SP, ainda em 2004, as segundas-feiras do Grazie a Dio! trouxeram temporadas de Céu, Hurtmold, Cidadão Instigado, Mombojó, + 2, Eddie, etc, e depois, em 2009, Tulipa e Jeneci, antes dos respectivos discos de estreia.

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