cada lugar na sua coisa

fotos: daryan dornelles


Muito provavelmente, você já deve ter dançado ao som do tecnobrega de Gaby Amarantos ou Bonde do Eletro. Assim como é quase certo que tenha passado os olhos pelo YouTube e visto algum clipe de Karol Conka, Graveola e o Lixo Polifônico e Apanhador Só. Ou, no trabalho, tenha acessado alguma rádio virtual e ouvido uma música ou outra de Maglore, Leo Fressato ou Rabujah. Originários de diferentes cenas do país, estes músicos comprovam que a música brasileira vive um período de forte expansão e diversidade. Afinal, sem depender das engrenagens das grandes gravadoras e adotando um modus operandi bastante peculiar, estes artistas vêm conseguindo desenvolver suas carreiras, demonstrando capacidade empreendedora e interagindo com um público receptivo ao trabalho autoral e independente. Entretanto, este processo de democratização, além de trazer à tona cenas que, até bem pouco tempo, eram preteridas ou marginalizadas pelas mídias tradicionais, também atestou o forte caráter centralizador destas últimas ao evidenciar a superficialidade com que se debruçam sobre um material tão rico e repleto de especificidades. Exemplo claro disto é o desconforto gerado nas famosas listas de melhores do ano das revistas especializadas e nas grandes premiações da música brasileira, onde público, crítica e artistas vivem um diálogo atabalhoado que realça as deficiências de nossas políticas culturais e a vulnerabilidade das cenas emergentes frente ao atual mercado fonográfico.
Nascido em Cachoeiro de Itapemirim e oriundo da cena capixaba, o cantor e compositor Juliano Rabujah iniciou sua carreira em 2001, ao formar com colegas de faculdade, em Viçosa (MG), o grupo de samba-rock Tabacarana. A banda, que chegou a dividir palcos com Pedro Luís e A Parede, BNegão, Skank e Marcelinho da Lua, lançou, em 2011, o disco “Virei no Samba”. Neste mesmo ano, realizou uma turnê pela Europa, apresentando-se na França, Inglaterra, Irlanda e Espanha. Ainda em 2011, Rabujah lançou seu primeiro disco solo, “O Que Meu Samba Tem”, realizando uma série de shows em Vitória. No ano seguinte, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se apresentou em diversas casas, como o Studio RJ, La Esquina e Sala Baden Powell. Em 2013, em meio à produção de seu próximo álbum, Rabujah passou a integrar o Trova à Troá, trio formado por ele e pelos músicos Gustavo Macacko e Brunno Monteiro. Também voltou a flertar com o samba-rock, ao participar da banda Jaujau, ao lado dos cariocas Guido Sabença e Gabriel Menezes.
Interessados em saber a respeito dos diferentes cenários musicais do país, convidamos Rabujah para uma entrevista. O músico, que lançou esta semana o EP "Quarto e Sala", recebeu o Banda Desenhada em seu estúdio, no apartamento onde mora, na Tijuca, e nos falou, entre outros assuntos, de sua carreira, referências e a cena independente de Vitória.

BD – Hoje em dia, muitos artistas brasileiros estão optando pelo formato EP na hora de divulgar suas músicas. Poderia falar um pouco a respeito disso?

Rabujah – Acho que o tamanho e o formato são os ideais para esse meu novo trabalho. O EP também se presta ao papel de laboratório. Tenho mil ideias e o formato reduzido auxilia a colocar algumas à prova. O “Quarto e Sala” é a primeira parte do meu próximo disco. Mais tarde, vou lançar outro, com mais cinco ou seis músicas. Dei esse título porque as músicas foram feitas dentro desse apartamento. Elas têm uma pegada bem pop, diferente do meu primeiro disco solo.

BD – E por que você fez essa opção?

Rabujah – O caminho foi muito natural. Quando comecei a tocar, ainda garoto, a ideia era fazer rock’n’roll. Tinha que ter guitarra, entende? Curtia pra cacete Bad Religion, NOFX, No Use For A Name, Rage Against The Machine… Quando fui para a universidade, em Viçosa [MG], tive contato com pessoas do Brasil inteiro e com sons que não conhecia. Foi assim que descobri o Jorge Ben, Banda Black Rio, Marku Ribas e um monte de artistas gringos: Jamiroquai, Mandrill, The Meters. Isso foi em 1999, cara. Não havia banda larga e CD não era uma coisa barata, ainda mais  importado! Pagar 40 contos num disco era pancada! [Risos]. Mas sempre me interessei por novidades. Sempre fui muito aberto: tive fases em que queria tocar rock’n’roll, samba, reggae, blues, pop, soul... Achava que isso acontecia por ser muito jovem, mas até hoje sou assim, meio metamórfico. Mudar, para mim, não é só uma coisa normal como também supernecessária. Quando conheço algo novo, que acho interessante, busco logo o diálogo e vou me apropriando de sua linguagem. Hoje em dia, com a internet do jeito que está, você fica conectado por cinco minutos e já conhece uma enxurrada de coisas! Por causa disso, passei a ouvir muitas coisas diferentes: Metronomy, Darwin Deez, Chromatics, Mutemath, Tuneyard... Fiquei pilhado no som dos caras. E no som de gente daqui também: Curumin, Tulipa [Ruiz], Dois em Um, Rafael Castro... o Rafael é foda! Ele faz um puta rock’n’roll. Dá pra perceber que está antenado com as coisas bacanas que estão rolando por aí.


BD – Mas, apesar dessa influência do rock, se fossemos classificar o “Quarto e Sala”, o pop é o que mais se destaca. Você até flertou com a música brega...

Rabujah – Sim, o pop faz parte dessa mistura toda... Fui com o Tabacarana abrir um show do Skank. Depois de nos apresentarmos, saímos do backstage e fomos lá pra frente assistir ao show dos caras. Era muita energia! E aí comecei a pensar o quão difícil é fazer pop! Porque todo mundo acha que é uma coisa simples, massificada... que possui arranjos e timbres plastificados. Ninguém percebe como é difícil fazer essa parada funcionar! Dava pra ver no show que a banda gostava de timbragens. Eles tocavam pra caramba! Não havia nenhum zé mané no palco! Há uma genialidade por trás da música pop que pouca gente percebe. Ela não se resume à grana e jabá. Não há uma fórmula mágica. O que é o Chimbinha?! O cara saca pra caralho! Ele não está ali de bobeira, cara!

BD – Falando em Chimbinha, no “Quarto e Sala” você usou algumas referências da música do Pará. Outros artistas da sua geração vêm fazendo o mesmo. O que você acha dessa tendência?

Rabujah – A minha intenção ali é ser satírico. Tenho esse viés em meu trabalho, de ser crítico, mas de forma bem humorada. Como é o caso de “Cleyton Cult”, do meu primeiro disco. Utilizei umas referências de blues e jazz para satirizar o personagem. Na verdade, para me satirizar. A canção surgiu quando estava na locadora e me dei conta que sempre pegava os filmes de uma mesma prateleira, abarrotada de Almodóvars e Felinnis da vida. Só depois de muito tempo é que eu notei que havia uma plaquinha ali escrito cult. Pensei então em me sacanear. O mesmo vale para “Brinquedo de Papel Michê”. Eu já morei no Norte, né, cara? Vivi por um tempo essa história do brega. Tanto na capital quanto nos barcos, comunidades rurais, indígenas ou de assentamento se ouve muito esse tipo de música. E boa parte dos jovens também a consome. Acho muito bacana esse momento por que vem passando a música do Pará. Ela é muito interessante. É meio sacana, sensual. Como a Gaby Amarantos, por exemplo. São canções sem pudor. Resolvi então ecrever “Brinquedo de Papel Michê”, que é a história de um cara que só quer curtir, transar com a mulher por uma noite apenas e depois tchau. Cada um segue o seu caminho. E ele diz isso na lata, pedindo pra ser usado! O que acho mais divertido nessas apropriações é que eu não me sinto preso a nenhuma delas. Não fiz um jazz ou um tecnobrega, entende? É outra coisa. Eu não tenho propriedade e nem me sentiria à vontade em levantar qualquer uma dessas bandeiras. Quando chamei o Marcel [Dadalto, da banda Zémaria] para fazer a produção comigo, ele mudou os beats e os timbres de bateria, o que deu ainda mais essa cara para a música. E eu achei superfoda! Não foi uma parada tão proposital assim. Mas, realmente, na época em que compus, estava ouvindo direto o disco do Felipe Cordeiro. Ele é do caralho! Aquela onda da guitarra... Mas meu trabalho sempre foi assim, né? No “O Que Meu Samba Tem”, eu flertei com muitos estilos.

BD – Inclusive iniciou um diálogo com a música eletrônica, que agora está bem mais presente...

Rabujah – Há décadas que a música pop vem dialogando com a música eletrônica. Eu queria justamente essa interseção, mas passando batido pelos clichês. Acho a linguagem eletrônica muito instigante. Ela oferece diversas possibilidades para você desenvolver um trabalho extremamente pessoal. Usando algumas ferramentas da música eletrônica, você pode deslocar uma canção pop para um contexto alternativo ou experimental, colocar uma roupagem que a subverta completamente.


BD – O Tabacarana também tinha uma pegada pop, só que mais voltada para o samba-rock, não é? Poderia falar um pouco sobre o grupo?

Rabujah – Sim, ele era basicamente de samba-rock. O Tabacarana surgiu em 2001, ainda na universidade. Tocávamos por tocar, por diversão. Começamos a nos apresentar em festas de repúblicas e, pouco depois, nos chamaram para participar de festas oficiais, tanto dentro quanto fora do campus. Quando morei em Vitória, resgatei o projeto e iniciamos uma nova fase, power trio. Adoro trabalhar em trio! Herança do Nirvana, acho. [Risos]. Nosso primeiro disco, “Virei no Samba” teve lançamento internacional e chegamos a fazer uma turnê pela Europa. Passamos por Paris e Aix-en-Provence, na França, Londres e Birmingham, na Inglaterra, e depois Madrid e Dublin. Foram quase 40 dias e 21 shows.

BD – Ele acabou definitivamente?

Rabujah – Eu costumo dizer que o Tabacarana está na geladeira, porque a gente não terminou o namoro de fato. Andrey [Junca], o baixista, foi para os Estados Unidos fazer mestrado em contrabaixo e o Thiago [Vieira], o baterista, está envolvido atualmente com a Orquestra Sinfônica do Espírito Santo. Perdemos um pouco o contato por causa da distância. Mas o nosso disco só foi lançado lá fora. Então, temos essa carta na manga. Podemos voltar a nos reunir, lançar o disco no Brasil e organizar uma turnê. Gosto muito de samba-rock: Jorge Ben, Bebeto, Branca di Neve, Luiz Wagner, Simonal… essa galera é fodaça! Gosto de estar no palco e ver a galera dançar. Não quero deixar isso de lado para sempre.

BD – E o que o levou a carreira solo?

Rabujah – O meu primeiro disco foi um pé na porta. Eu tinha um trabalho com o Tabacarana, com um repertório exclusivamente dançante e que obedecia a determinadas regras. Éramos uma sociedade: eu e mais dois amigos. Então não podia decidir tudo sozinho. Como compositor e um dos arranjadores da banda, era normal mostrar três composições e duas delas serem limadas. O trabalho solo foi a maior fuga, cara. Nem era para ser o meu trabalho principal. Mas fiz com o maior carinho do planeta, com um repertório que gostava pra caramba e que não se encaixava na banda. Nesse sentido, ele foi muito experimental. Foi feito em um clima de “vamos ver no que é que vai dar”. Não me preocupei se as melodias estavam descendentes o tempo inteiro, se a modulação estava mal feita, se esse groove não estava legal. Eu queria aquilo que era bacana para mim naquele momento. O “Quarto e Sala” foi muito mais pensado. Eu precisava me encontrar em meio a tudo que produzi. É como havia dito: meu primeiro disco ficou bem diverso. Não tive que prestar contas pra ninguém, entende? Queria testar. Só que agora a carreira solo é o meu trabalho principal e tenho curtido outras coisas. Quer queira, quer não, lá se vão dois anos de “O Que Meu Ssmba Tem”. Pode parecer pouco, mas nesse meio tempo eu ouvi e me interessei por várias coisas. Por isso quis lançar logo esse EP! Já estou com um monte de ideias novas fritando na minha cabeça! [Risos]. Pensei, ainda este ano, em montar um projeto experimental. Quero trabalhar com ambiente sonoro, paisagens sonoras, fazer outro tipo de música. A arte está muito atrelada ao devir, entende? Há a experimentação, os erros e acertos... Gosto de flertar com várias coisas ao mesmo tempo. Adoro esse ideia de pansexualismo musical. É a minha escola, sacou? [Risos].

BD – O seu primeiro disco já denunciava isso, não? Até por conta de o título ser “O Que Meu Samba Tem” e...

Rabujah – [Interrompendo]... E não ter nenhum samba! Essa foi a ideia. O samba aparece como influência em algumas melodias, letras e arranjos, mas nunca está por inteiro. Fiz isso para fugir da imagem que as pessoas tinham de mim. Lá em Vitória, além de fazer samba-rock, eu cantava muitos sambas de Chico Buarque, João Bosco, Cartola, Nelson Cavaquinho... Então, me tinham como um cara do samba. Quando falei que estava fazendo um disco, todo mundo achou que iria fazer algo do estilo. Mas aproveitei essa chance para mostrar que, na verdade, o meu samba não tem só samba. Eu não venho de nenhuma tradição do samba, nem tenho uma ligação tão estreita assim com o gênero. Só fui conhecer de fato os grandes sambistas na época da faculdade. Fui apresentado a eles e adorei, mas não pertenço a esse universo. Quis então mostrar nesse primeiro disco que as minhas referências são várias, e o samba é apenas uma delas.

BD – Outros artistas também fizeram álbuns que desconstroem ou decodificam o samba, os primeiros discos de Romulo Fróes, “O Micróbio do Samba” de Adriana Calcanhotto...

Rabujah – Além do clássico “Estudando o Samba”, de Tom Zé e o “Samba Esquema Noise”, do Mundo Livre S/A. São discos que se prestam a retrabalhar o samba de forma bastante crítica. Acho muito interessante, ainda mais se tratando de um gênero que se tornou parte de nossa identidade cultural. Em “O Que Meu Samba Tem”, tentei, ao meu modo, brincar um pouco com essa ideia.

BD – Como foi essa sua mudança de Vitória para o Rio? Deve ter sido um momento um pouco difícil...

Rabujah – Total! Saí de uma situação profissionalmente estável, inserido em uma cena que, mesmo não tendo projeção nacional, funciona muito bem. Vitória pode não ter palcos maravilhosos, mas tem uma estrutura. Todo ano, são lançados novos editais, artistas e produtores inscrevem seus projetos, lançam discos e se apresentam em algum espaço da prefeitura ou do governo do Estado, recebendo bons cachês. Mas, fora daí, não há um circuito que permita você se apresentar e sobreviver disso. Ainda mais se você tiver um repertório autoral. Existe um limite para a cena de lá. Além disso, a maior parte da produção local não consegue ultrapassar as barreiras geográficas. Por isso resolvi sair. Mas começar uma carreira em um lugar diferente é custoso. Requer um ônus. Deixei para trás toda uma estabilidade profissional e financeira... Engraçado, sempre tive vontade de sair de Vitória, mas achava que iria para São Paulo. Boa parte da música brasileira que eu ouvia e gostava era de lá. Na época em que comecei a pensar mais firmemente nessa ideia da mudança, estava ouvindo o “Vagarosa”, da Céu. Mas não sou muito bom em fazer planos. Um belo dia, minha mulher chegou e me disse que havia surgido uma oportunidade muito boa na empresa dela, mas que era aqui no Rio. Respondi na hora: “Vamos embora!”. [Risos]. Organizei um show de despedida, chamei todos meus amigos músicos para darem uma canja e quando acabou a apresentação, nos mandamos para cá. Tem um ano e meio que eu e a Kaká [esposa de Rabujah] estamos no Rio. As coisas ainda são um pouco novas, mas não me arrependo. Estou bem à vontade, tenho me apresentando e aos poucos vou conhecendo os artistas daqui. Além disso, estou tomando contato com outros profissionais: jornalistas, blogueiros, produtores, designers, fotógrafos... gente que participa diretamente da cena carioca. Foi aí que percebi que o ofício de músico é bem mais complexo e que transcende a própria música. Exige de você uma pluralidade, que você seja capaz de dialogar com diversas áreas.

BD – Mas a cena e, principalmente, o circuito carioca, só começou a dar sinais de revigoramento há pouco tempo. Você não chegou a se decepcionar com a cidade?

Rabujah – Pois é, cara. A cena autoral do Rio de Janeiro ainda não é sustentável. Ninguém toca três vezes por semana ou consegue tirar uma grana bacana para rangar e pagar o aluguel. O Rio de Janeiro não tem tantos palcos como eu achava que tinha. Nem é tão democrático quanto imaginava. Então se tornou, para mim, um trabalho de formiguinha. Aqui tem casas que abrem espaço para você mediante 60% da bilheteria e aí você vai ter que se virar pra botar pra dentro gente que pague o ingresso. Só que não curto ficar reclamando. Assim que passou essa minha primeira impressão da cidade, percebi que era uma puta oportunidade para crescer. Porque, com certeza, deve haver cariocas querendo conhecer, ouvir, consumir e compartilhar coisas novas. E acho que cheguei no momento certo. O Rio está começando a olhar para o que vem sendo produzido aqui além dos moldes tradicionais da MPB, além do samba e do funk. Está começando a valorizar a prata da casa que não toca cavaquinho. Mas ainda sinto falta de um engajamento, um envolvimento de todos os elos da cadeia produtiva da música: artistas, assessores, técnicos, produtores, donos de casas de show, jornalistas... essas pessoas precisam acreditar que o nosso trabalho é bom, que tem potencial e que, juntos, podemos fazer a parada ficar bacana. Falta essa visão empreendedora. Mas acho que estamos no caminho. Bato muito na tecla que os maiores formadores de opinião nesse meio somos nós mesmos, os artistas. A gente tem que sair mais de casa e ir aos shows dos colegas. Ir lá, conhecer, curtir... e comentar! Porque isso atesta valor a qualquer trabalho, cara!


BD – Mesmo que algumas cenas já tenham essa articulação que você comentou, parece que ainda há pontos bastante nevrálgicos, não? Principalmente na relação entre as majors e o mercado independente. As premiações de música, por exemplo, provocam frequentemente críticas tanto do mainstream quanto do underground...

Rabujah – Cara, eu penso que o tal mainstream nem existe mais. Pelo menos não nos moldes em que existiu há um tempo. Não consigo visualizar outra alternativa neste momento que não seja pensar em nichos de mercado. Também não me venha com esse papo de bombar na internet! Esse mundo dos follows e likes não enche barriga de ninguém! É tão importante estar na internet quanto no mundo concreto. Difícil pensar em uma estratégia que seja calcada somente em redes sociais, saca? Sei que tem artistas que emergem desse contexto, mas acho que para o público que quero atingir, essa jogada talvez seja perigosa. É importante saber quem ouve um discurso como o seu, seja ele musical ou poético. Quero que todos sejam ouvintes da minha música, mas reconheço que há limitações. Não tenho braço para fazer muita coisa, então meu tiro tem que ser mais certeiro. O mercado tem se comportado com tanta dinâmica que é difícil fazer uma radiografia. Eu entendo que existe um pedaço de bolo para cada um e o que nós artistas devemos fazer é sustentar cada vez mais que o público consuma, e consuma com qualidade crítica. Os prêmios da música fazem o que se propõem a fazer, que é levantar a bola de quem os interessa. Não vejo legitimidade como em um esporte, em um campeonato. Não estou falando que as pessoas se jogam nessa com ímpeto competitivo futebolístico, mas quem entra nessa e não quer ganhar, hein? Agora, como cobrar lisura em um processo de escolha do melhor artista do momento? É um retrato de um pedaço do mercado. E quando eu falo mercado estou falando de todo mundo que produz e que de um jeito ou de outro consegue colocar a roda pra girar. Tem um tanto de gente fazendo e acontecendo longe dos olhos do "Grande Irmão" [personagem fictício no romance "1984" de George Orwell, associado a excesso de autoridade e vigilância em massa]. Na minha cabeça o artista tem que antes de tudo ser artista. Se qualquer outra coisa está contradizendo este seu papel, então tem algo errado aí. Na verdade, existem milhões de posicionamentos acerca disso e cada um tem a liberdade de escolher o seu.

BD – E a cena do Espírito Santo? Tirando o SILVA e a Zémaria, são poucos os nomes conhecidos por aqui.

Rabujah – A história é essa: na década de 90, surgiu o Festival Dia D, que foi responsável por fomentar a cena da região. Nessa época, pipocaram várias bandas em Vitória: Muqueca di Rato, Dead Fish, Pé do Lixo, Undertow, Mhanimal… e isso também incentivou o aparecimento de bandas no interior do Estado. As rádios locais ajudaram bastante a cena ao investirem em artistas da região. Enfim, para o Espírito Santo, a década de 90 foi musicalmente muito próspera. Era frenética! Todo mudo queria compor! E não tinha esse negócio de tocar música do outros não! Era uma parada autoral mesmo. O Dia D foi muito importante para que tudo isso acontecesse, mas, com o seu fim, já nos anos 2000, a cena começou a definhar. Não havia muitos palcos em Vitória. Não havia um circuito local bacana. E sem o palco do festival, também se foi o público interessado em novos artistas. Mas, apesar disso tudo, Vitória tem um mercado musical relativamente estável. E alguns nomes dessa cena persistiram. Dentre eles, Marcel Dadalto, ex-Dead Fish e atual Zémaria. O Zémaria, se não me engano, tem quase 15 anos de estrada. É uma das bandas que ainda está feroz no mercado, agora residindo parte em Berlim e parte em Vitória. Depois, outros nomes foram surgindo: JOE*ZEE, Projeto Feijoada, Lucas Arruda, Comming From Navios, Pó de Ser Emoriô, Aroldo Sampaio, Edivan Freitas, Solana, Tamy, Gustavo Macacko, Amélia Barreto, o Coletivo Expurgação, Santiago Emanuel, Fê Paschoal, Mango… apesar de o Estado ser pequeno e pouco conhecido, ficaria aqui uma eternidade falando nome das bandas e artistas de lá. Tem muita gente! Mal ou bem, existe o apoio de prefeituras e do governo do Estado. Além disso, produtoras e estúdios deram uma reacendida na cena. A região também tem muitas bandas de reggae e, principalmente, de forró, por causa de Itaúnas, a terra do forró pé de serra. Além de uma presença forte da música instrumental, com nomes como Fabiano Araújo, Bruno Venturini e Wanderson Lopes, com quem o Tabacarana tocou na Europa.

BD – A cena parece bem dinâmica. Não esperávamos...

Rabujah – Esse é o grande problema. Por mais que haja a internet e todo um movimento em busca de novidades, as pessoas ainda estão muito tímidas. Rio e São Paulo permanecem um pouco isolados do restante do país e tanto a informação que chega aqui quanto lá é, na maioria das vezes, superficial. Existem barreiras enormes, não importa se geográficas, históricas ou sociais. Às vezes, me sinto num gueto. Rio, Cachoeiro ou qualquer outro lugar se traveste de gueto quando não consegue dialogar em pé de igualdade com seus vizinhos. Falo isso dando um esporro em mim mesmo, saca?! Estamos acostumados a criar cercas a nossa volta e achá-las legítimas. Pelo menos até certo ponto. Para proteger os seus, sacou? Mas acredito que, de vez em quando, é importante você fincar uma plaquinha de bem-vindo e deixar a porteira entreaberta, para que haja alguma mudança na paisagem.


comente