da natureza dos lobos

fotos: daryan dornelles


No Brasil 2010´s, criou-se uma 'cultura' de que você tem que ser ou querer ser mainstream, e eu não entendi de todo essa especulação. Tocar na novela das 20h ou dizer que quer ser muito popular, é que é 'legal'. E se você não tem essa intenção de ser grande nos meios de 'massa', então você é pedante, entojado, chato e hipster (palavra que aqui no terceiro mundo, ainda não me fez nenhum sentido). Não tenho nenhuma vontade de tocar na novela, porque eu não gosto de novela! Porque eu discordo de novela! Porque lá, se defende um draminha de um mundo que eu não acredito: drama dos burgueses do Leblon, drama das patricinhas de SP, drama dos negros que são sempre os empregados e drama dos gays que nunca dão beijo. Não há nenhuma subversão no melodrama! Isso não tem a ver com 'rejeitar a cultura de massa popular' por ser de massa, ou por ser popular. Isso tem a ver com não querer estar de acordo com valores que não me interessam. Se isso é o mainstream, incluam-me fora dessa. Me chamem de indie, de hipster, de entojado, de 'cool da cobra' ou de pedante. Mas lembrem-se, nada mais pedante do que chamar alguém de pedante...
Texto publicado por Thiago Pethit em sua página no facebook no dia 23 de janeiro de 2013.

Um dos principais nomes da cena contemporânea paulistana, Thiago Pethit nunca deixou de expressar qualquer crítica à sua geração, provocando, por vezes, mal-estar em seus colegas, principalmente ao tratar algumas tendências do establishment. Dono de um forte senso crítico, o músico paulistano vem desenvolvendo sua carreira de forma bastante singular. Sua história é atípica: ator desde os nove anos, decidiu largar os palcos e se dedicar à música após trabalhar como diretor de cena em um projeto desenvolvido por Tiê e Dudu Tsuda. Depois de uma viagem de estudos à Argentina, lançou em 2008 o EP “Em Outro Lugar”, estreando como cantor no Studio SP, onde abriu o show de Will Oldham. Em seu repertório, canções pops e autorais com forte influência da chanson française e do folk. Para os mpbistas de plantão, as suas referências atípicas, bem como a grande quantidade de canções em inglês e francês, causaram desconforto. Por outro lado, foi visto por alguns jornalistas como um dos renovadores da música popular brasileira, obtendo assim destaque nos veículos de comunicação de São Paulo. Em 2009, ao lado de Tulipa Ruiz, Dudu Tsuda, Tatá Aeroplano e Tiê – sua mais constante parceira –, fez uma série de shows intitulada “Novos Paulistas”, gerando, mesmo que não intencionalmente, a abertura de um espaço que possibilitou o surgimento de inúmeros novos artistas. No ano seguinte, lançou de forma independente “Berlin, Texas”, seu primeiro álbum, produzido por Yury Kalil, do Cidadão Instigado, que contou com as participações do Cérebro Eletrônico, Helio Flanders, Tulipa Ruiz, Tiê, e outros. Ainda em 2010, ganhou no Video Music Brasil o prêmio “Aposta MTV”. Sempre com um forte discurso anti-mainstream e sem o apoio de selos ou gravadoras, Pethit lançou, em 2012, seu segundo álbum, “Estrela Decadente”, fruto de um período de depressão que viveu no ano anterior. Inspirado nos cabarés alemães e no outside nova-iorquino dos anos 70, o disco teve a colaboração de Mallu Magalhães e Cida Moreira. Esta última dividiu os vocais com Pethit em uma versão de “Surabaya Johnny”, de Bertolt Brecht e Kurt Weill. Adotando uma postura mais enérgica, o músico afastou-se propositalmente da imagem de bom moço e envolveu-se em um repertório onde a sexualidade e a androgenia deram o tom. 
Presente no Rio para uma apresentação no teatro Solar de Botafogo, Thiago já vinha conversando há algum tempo com o Banda Desenhada a respeito desta entrevista. Após a sessão de fotos na zona portuária da cidade, o músico foi ao estúdio Fotonauta e nos falou a respeito de sua geração, influências, inquietações e processo de criação.

BD – Você e Tiê foram os primeiros artistas independentes da sua geração a ganharem visibilidade na mídia. Havia alguma noção desse ineditismo e da importância do que estavam fazendo?

Thiago Pethit – Nenhuma noção, na verdade. Até a Tiê lançar seu primeiro disco, não tínhamos nenhum exemplo de um selfmade man, de alguém que tivesse construído a sua carreira sem passar pelos meios tradicionais. Não dava para pensar: “Ah, isso aconteceu com fulano, então pode acontecer comigo”. Tudo parecia muito distante. Não tínhamos ideia do quanto nosso trabalho repercutiria, nem imaginávamos as proporções que ele poderia adquirir. Nós éramos muito naïf [arte naïf, arte ingênua e instintiva produzida por autodidatas], mas, apesar de tudo, conseguimos conquistar nosso espaço. E a partir daí, outros nomes surgiram e a cena paulistana tornou-se um fenômeno. 

BD – Você deveria ter muitas dúvidas naquela época. Afinal, havia chances de dar errado...

Thiago Pethit – Sim! Era o mais provável. Vibrávamos em cada grande acontecimento: Tiê lançou um disco, Tiê assinou com a Warner... Nossa! Achávamos que tínhamos chegado ao nosso limite, que nada mais poderia acontecer.


BD – E como você vê a cena hoje?

Thiago Pethit – Sinceramente, acho que o mercado está saturado. Tenho a sensação de que nenhum novo nome conseguirá progredir a ponto de alcançar outros patamares. Falar da geração paulista, da nova música de São Paulo, tornou-se um assunto datado. A cena já tem pelo menos três anos! Já não se trata mais de um assunto fresco. Tenho começado a enxergar as coisas um pouco por esse prisma. As pessoas já não sentem mais vontade de falar ou escrever sobre isso. Até mesmo os espaços onde tocamos parecem ter chegado ao seu limite.

BD – Seus colegas de geração, mesmo sendo extremamente colaborativos, são enfáticos quanto ao caráter pessoal de seus trabalhos. Essa postura me parece bastante peculiar, se analisarmos outras gerações...

Thiago Pethit – O problema são os jornalistas, blogueiros, twitteiros e facebookeiros! Todos eles nos colocam no mesmo saco, sempre.

BD – Isso é tão ruim assim?

Thiago Pethit – É péssimo, é péssimo.

BD – Mas de alguma maneira, você faz parte de um grupo de artistas que, inserido em um contexto histórico e geográfico, conseguiu se estabelecer no cenário musical utilizando novos recursos. Nesse sentido, vocês fazem parte de um coletivo, vamos dizer assim...

Thiago Pethit – Mas essa história de catalogar... Catalogar nunca dá certo! Mania de botar tudo em gavetinhas! [Risos]. Por isso que os termos são sempre frouxos, mesmo quando os próprios artistas inventam um nome. Depois terão que passar a vida escrevendo livros e mais livros explicando tudo! Veja a tropicália! Por mais profundo e conceitual que seja um termo, sempre haverá alguém que poderá questioná-lo e fazer a catalogação cair por terra.

BD – Por sinal, alguns críticos chamam pejorativamente a cena independente de MPB hype ou MPB indie, associando seus nomes a artistas como Regina Spektor, Of Montreal, Feist, Beirut... Isso chegou a perturbá-lo?

Thiago Pethit – Nunca conseguirei ter controle sobre o que escrevem ao meu respeito. Não importa o que eu faça. Por isso que, nesse último disco, quis pontuar tudo, sem dar espaço para qualquer interpretação equivocada do meu trabalho e da minha imagem. Porque essas coisas fogem facilmente do nosso controle. Para você ter noção: a história da geração de São Paulo ou, como se falava, dos novos paulistas, se deu quando resolvemos fazer um show com esse nome. Foi de uma ingenuidade! Mas de uma ingenuidade [enfático]! Era para ser um show e ponto. Assunto encerrado. Mas não! Repercutiu de tal forma que o termo acabou sendo utilizado à exaustão. É um negócio que persegue a gente! Esse papo de que todos somos amiguinhos... é uma mentira. Não temos mais o mesmo convívio. Essa geração que era eu, Tiê, Tulipa, Dudu Tsuda e Tatá Aeroplano... Não consigo mais encontrá-los com a mesma regularidade. Todos nós estamos trabalhando muito e não temos tempo para sair e conversar, como fazíamos antigamente. Mas as pessoas vão se apropriando de tudo, dando novos sentidos, totalmente independentes de nós.


BD – Mas essas associações lhe incomodam?

Thiago Pethit – Depende. Não me incomoda ser associado a outros artistas por pertencer à mesma geração ou porque, muitas vezes, dividimos o mesmo público. Mas fico bastante incomodado quando confundem os nossos discursos. Não quero que a minha fala seja confundida com a de outros. Cada um tem a sua. E muitos não têm nenhuma. [Risos]. Alguns colegas costumam dizer: “Quero tocar no rádio! Quero ser pop!”. Eu nunca falei isso! Essa não é a minha vontade. Não quero tocar na novela das oito, sabe? É engraçado, não sei o que aconteceu, mas, a partir de 2010, ficou muito legal você dizer que quer ser popular. Até compreendo quem queira tocar nas novelas, assim como compreendo os atores que atuam nelas. E, francamente, se me oferecerem uma boa grana, óbvio que vou aceitar, porque também sou um ser humano e tenho contas para pagar! Mas nunca fiz música com este objetivo. Para mim, novela é uma bobagem, é algo que está fora da minha crença. Não há nenhuma subversão! Não pretendo contribuir com isso. Só que, por manter esse discurso, me chamam de pedante, entojado e hipster! Sei que a minha geração tem essa postura de querer ser popular... não sei... também quero chegar em todo mundo, quanto mais gente, melhor, mas não por esses meios convencionais. Eu pago um preço por isso, sabe? Acabo ficando em um circuito bastante específico. Mas não vejo isso como um problema. Quero ganhar dinheiro, mas quero que seja de outro jeito. Na verdade, já ganho e, enquanto puder, continuarei assim... Há alguns anos, fui atacado em uma matéria da Folha [de S.Paulo]. Fiquei bastante impactado. Dizia que nós éramos de uma geração indie estatal, que vivíamos às custas do Estado e de patrocínios e que não tínhamos público. Então, nesse disco, “Estrela Decadente”, fiz questão de colocar tudo ipsis litteris. No encarte está escrito “este disco é 100% independente: independente de patrocínio, independente de edital, independente de gravadora, independente de selo e independente de quem ouve”. Eu paguei tudo, com o dinheiro que ganhei em shows, vendendo discos e música. Ou seja, eu sou um produto que dá lucro. Não toco na novela, não toco no rádio e não preciso do Estado. Sou capaz de gerar grana o suficiente para ter em meu disco a produção do Kassin, o projeto gráfico do Pedro Inoue [designer que já trabalhou para David Bowie, Jamie Cullum, entre outros] e um hot stamp dourado na capa. Então, estou feliz por minha carreira ter este tamanho, não preciso mais do que isso. Eu quero chegar às pessoas, mas sem ter uma gravadora por trás pagando jabá e enfiando minha música ouvido à dentro. No fucking way. Não faço música para isso.

BD – Você deve sofrer uma pressão imensa. Sem empresário, selo ou gravadora, o acúmulo de tarefas deve deixá-lo exaurido...

Thiago Pethit – É um caos. Se por um lado sei que isso pode acabar me matando, por outro, as conquistas são muito gratificantes. Afinal, eu fiz tudo, ninguém meteu o bedelho, ninguém meteu a mão. Tenho 50 mil pessoas na minha fan page no facebook. Para um artista que trabalha assim, é muita gente. Outros têm o caralho a quatro, gravadora, os melhores empresários do ramo e não chegam a isso. Quando lancei “Berlim, Texas”, tive a sensação de que existia certo preconceito em relação a mim. Eu era ator e de um dia para o outro, resolvi ser músico. E, de repente, lá estava eu na Folha de S.Paulo. Não precisei ficar anos a fio tentando conquistar o meu espaço. Então, muita gente achou que eu era apadrinhado ou filho de alguém: "Ah, não é possível! Alguma coisa esse menino tem! O empresário dele deve ser foda!”. E isso me machucou muito. Então, quando vejo os desafios por que passei e o que, com o meu esforço, acabei conquistando, eu me acho foda. Como aquela entrevista do Caetano Veloso: “Chico Buarque é foda, eu sou foda”... [Risos]. Nessas horas eu também me acho um pouco foda. Poxa, eu construí um negócio sozinho, não tenho ninguém, não sou bem relacionado... sei que a minha estrutura ainda é meio capenga, mas...

BD – “Meio capenga”? Você realmente acha isso?

Thiago Pethit – Ah, é meio capenga sim! É uma estrutura amadora. Talvez daqui a pouco eu possa me profissionalizar em muitas funções e realmente dizer “eu sou o meu produtor” e não “eu faço a minha produção”. Daí então poderei dizer que sou realmente foda! [Gargalhadas]. Anote aí, se eu sobreviver por mais dez anos eu digo: “Sou foda”! [Risos].


BD – Voltando ao tema geracional, em uma entrevista recente, você fez uma crítica aos seus colegas que regravam constantemente músicas consideradas bregas...

Thiago Pethit – Eu acho isso um “clichezão”. A Marisa Monte começou com essa história e todo mundo saiu copiando, resgatando clássicos do brega e do cancioneiro popular. Já foi muito clever fazer isso, mas hoje não há mais graça. Fiz essa crítica porque nos meus últimos shows cantei músicas da Lady Gaga e da Lana Del Rey e, mais uma vez, as pessoas resolveram me chamar de arrogante, entojado e hipster. [Risos]. Na verdade, o público não esperava isso de mim. Nem de mim, nem de ninguém. Virou uma fórmula: cabe ao músico brasileiro resgatar o brega e as canções populares há muito tempo esquecidas. Mas acredito que seja mais interessante não ser assim. Para mim, é muito mais divertido fazer algo diferente. Só que muitas pessoas ficaram indignadas por conta disso: “Ai, como você pôde cantar ‘Bad Romance’? Nada a ver com você!”. Mas, gente, porque cantar uma música do Reginaldo Rossi é mais engraçado?! Porque ele é brasileiro e brega?! Porque existe algo de luxuoso nisso? Há luxo na Lady Gaga também! Há luxo onde você quiser que tenha! E eu só tenho vontade de cantar algo quando consigo olhar para o mundo e me perguntar: “Isso precisa mesmo ser feito?”. Então, me questiono se é relevante cantar algo brega e clichê. O mundo precisa mesmo disso? A gente já não ouviu o bastante? É como alguém hoje em dia cantar “Atrás da porta” [Francis Hime/Chico Buarque]! Já não tem a Elis Regina?! Você vai superá-la? Se você superar ou então for capaz de subverter a música, ótimo, grave! Caso contrário, continuaremos a ouvir a Elis e não você. 

BD – Bem, além das canções da Lana Del Rey e da Lady Gaga, boa parte das suas composições é em inglês. Imagino que também já tenha ouvido críticas a esse respeito, não?

Thiago Pethit – Sim, mas hoje em dia nem tanto. Na verdade, nunca houve uma crítica direta, mas quando comecei, quando lancei “Berlim, Texas”, percebi alguns olhares tortos. Sentia que quem era da MPB olhava pra mim e pensava: “Ah, esse cara não faz MPB”. E quem era do indie rock me achava megaMPB: “Ele canta umas músicas em português”! Eu ficava um pouco sem turma, sabe? Como se não fizesse parte nem de uma coisa nem de outra. Hoje em dia, pelo menos para mim, isso deixou de ser uma questão. Já não sinto tantos olhares tortos. Ou talvez o meu próprio olhar tenha mudado: antes eu me preocupava com isso, calculando quantas músicas eram em inglês e em português. Ficava bastante tenso. Já nesse último disco, por exemplo, existem canções em português, mas com o refrão em inglês. Comecei a misturar as duas línguas. Acho que isso se deve ao fato da minha vontade de fazer música ter surgido juntamente com a internet. Ali não há fronteiras, não há essa preocupação com o idioma nem muito menos uma vigília que diga que uma letra em inglês é menor do que uma em português. Eu não penso: “Ah, vou escrever qualquer coisa em inglês e está bom”. Não, tenho o mesmo tipo de preocupação do que quando escrevo em português. Não é a minha língua nativa e, até por isso, sou bastante rigoroso. Em português, me sinto mais à vontade e sei muito bem o que estou dizendo. E, francamente, no fundo, no fundo, tanto faz, minhas músicas não vão tocar no rádio e meu disco não irá vender mais se eu cantar em português. O meu trabalho sempre esteve atrelado à internet e é ali que ele flui e ganha espaço.


BD – Além da questão do idioma, a maioria das suas referências é estrangeira... O que também deve causar estranhamento para as pessoas que o associam à MPB...

Thiago Pethit – Eu fui louco por Mutantes durante anos na minha vida! Eu os tenho no céu. Rita Lee e Caetano Veloso também... Os tropicalistas mexeram muito comigo. Talvez, em termos de sonoridade, meu trabalho esteja mais próximo deles, mesmo não sendo tão fácil fazer essa leitura. Além disso, consigo perceber que Lobão e Marina Lima, de algum modo, também estão presentes no meu som. Muitas das minhas canções de amor lembram as da Marina... até fiz uma referência à “Não Sei Dançar” [de Alvin L, presente no repertório de Marina Lima] em “Pas de Deux”... Já o Lobão, é um mestre do rock’n’roll. Pensei muito nele ao produzir o “Estrela Decadente”. “Decadence Avec Elegance”, sabe? [Risos].

BD – É interessante você falar isso porque, no primeiro trabalho, o compararam ao Rufus Wainwright e, no “Estrela Decadente”, ao Mika. 

Thiago Pethit – E a melhor parte é que eu não gosto de nenhum dos dois. [Risos]. Nunca fui fã do Rufus. Lembro que quando comecei a cantar as pessoas diziam que a minha voz e o meu estilo lembravam os dele. Até então, não havia dado a menor bola para o Rufus. Eu o achava muito cafona. Aí um dia, parei para ouvi-lo e identifiquei de fato alguma semelhança no timbre. Realmente temos algo parecido em nossos trabalhos, inclusive na linguagem. Ele também tem muito essa coisa das divas e do cabaré... Quanto ao Mika, eu de fato nunca entendi! [Risos]. Mas as pessoas também são muito loucas, né? Porque muita gente me acha parecido fisicamente com ele e aí acabam confundindo tudo! E aí eu ouço: “Ah, o Thiago Pethit quer ser o Mika”! Não! Eu não quero. Você é que me acha parecido com ele! O problema é seu! [Risos]. Eu quero é ser parecido comigo! [Gargalhadas].

BD – Mas este segundo álbum é bem mais extrovertido que o primeiro e algumas faixas são um pouco dançantes. Talvez daí a associação com o Mika, principalmente por conta da primeira faixa de trabalho, “Pas de Deux”.

Thiago Pethit – Bem, nesse disco eu uso mais falsetes, assim como o Mika, e é fato que o “Estrela Decadente” é mais dançante que o “Berlim, Texas”... mas é estranho... meu último disco é uma resposta a uma depressão que tive após uma crise de estresse. Ele surgiu em um momento de muita raiva. Eu precisava dizer aquelas coisas todas. Fiquei seis meses isolado, ruminando, e, quando fiz a escolha da linguagem, optei pelo rock’n’roll. Houve essa intenção, de ser agressivo, de ser um ponto de exclamação. Não poderia ser de outra forma. Mas ainda assim ele ficou solar... 

BD – Talvez por conta do tom irônico de algumas letras...

Thiago Pethit – Provavelmente. Não há nada mais solar e agressivo do que a ironia. [Risos]. No fundo, “Estrela Decadente” é uma gargalhada, irônica e violenta.


BD – Esse álbum também é bastante sexualizado. Poderia falar um pouco sobre isso?

Thiago Pethit – Quando lancei o primeiro disco, achei que estas questões já estavam nítidas. Claro, “Berlim, Texas” é um muito mais melancólico e propõe outro tipo de reflexão, diferente do segundo. Mas a forma como vejo o amor ou um pé na bunda já estava lá. Talvez um pouco subentendido, mas estava. Não achei que precisasse escancarar. E aí, quando resolvi fazer o “Estrela Decadente”, fui propositalmente nessa direção. E é interessante porque, de certa forma, eu me fantasio para me desnudar mais ainda... o dândi, o batom, a estrela decadente... Foi proposital. Quis deixar tudo muito claro. Não queria estar aberto a outras interpretações. Você não faz ideia! Na turnê de “Berlim, Texas”, de uma hora pra outra virei um bom moço, um príncipe pra casar! Uma avalanche de menininhas e suas mães passaram a ir aos meus shows! Mas eu não sou essa pessoa! Não sou, entende? Eu não acredito nisso e nem muito menos nasci pra isso! [Gargalhadas]. Então, por favor, peguem “Mapa Mundi” e coloquem um homem de batom para cantar! [Risos].

BD – O que remete ao clima de cabaré e, por consequência, a participação de Cida Moreira em seu álbum. Ela, por sinal, já vem cantando ao lado de outros nomes da sua geração... 

Thiago Pethit – Sim, a Cida é a nossa musa. Eu a conheci já faz algum tempo, graças ao Helio [Flanders]. Mas já era seu fã na época em que fazia teatro. Ouvia falar muito dela. A Cida é importantíssima na história do teatro paulistano. Então, já a admirava quando o Helio nos apresentou. Ficamos muito, muito, muito próximos. A Cida virou quase a minha família. E me inspirou muito ao fazer esse disco. Muito. Em diversos momentos eu pensei nela, nessa mulher com tantos anos de carreira. Uma carreira completamente fora dos padrões, fazendo música fora dos padrões, cantando fora dos padrões, tão digna, tão forte e tão singular. Tão... [emociona-se] é isso. É tão difícil ser singular nesse mundo... É difícil ser esquisito, não ser uma pessoa comum que faz coisas comuns... Seria muito mais fácil se eu lançasse um CD cheio de ukulele, com um monte de músicas fofinhas... Afinal, fiz tanto isso no começo da minha carreira, não é? E as pessoas me criticavam. Agora já é um fato consumado. A Clarice Falcão é o maior sucesso. Mas eu sempre procuro o caminho oposto. É uma loucura. A minha cabecinha ainda vai me levar ao inferno! [Risos]. Preciso acreditar no que canto, no que digo. E, principalmente, buscar o que está faltando ser dito. Este é o meu caminho.


BD – Sei que ainda é prematuro, mas e o terceiro disco?

Thiago Pethit – O terceiro disco, muito provavelmente, vai depender do que acontecerá com o mundo e com essa geração. Daqui a três anos, estaremos onde? Isso, com certeza isso irá determinar o que vou fazer, porque o meu papel nessa sociedade será outro. Isso é essencial para o meu próximo disco: perceber a saturação de um discurso e sentir vontade de falar sobre outras coisas, de outro modo. Então, certamente, meu próximo álbum será uma surpresa, tanto para mim quanto para o público, e dependerá exclusivamente do que o futuro nos reserva. 





13 Responses to da natureza dos lobos

  1. Lucas Jezler :

    Grande Thiago Pethit! Talentoso, inteligente, verdadeiramente independente e CORAJOSO! Porque dizer estas coisas com as panelinhas que existem hoje em dia, não é pra qualquer um. Acabei de virar fã!
    Bela entrevista!

  2. Espetacular, inteligente e irônico.
    Esse é o Thiago que eu amo.
    A entrevista foi impecável.
    Parabéns para o pessoal da Banda Desenhada.

  3. É, também virei fã por causa de umas dessas entrevistas!
    Um tapa, um soco, um tiro, muita sinceridade! Ele arrasa!

  4. Thiago Pethit não precisa de auto afirmação, ele tem é coragem para dizer quem é e a que veio! Bonito :)

  5. Anônimo :

    thiago é lindo e irreverente
    adoro as musicas dele

  6. Um ser livre, verdadeiro e amado por mim por isso. Amanhã ou daqui a pouco é outro momento, sempre.

  7. Anônimo :

    Considero o Thiago o cantor mais talentoso da atualidade! E me encanta muito o jeito como ele é sincero... Não fica forçando a barra. Ele tem personalidade, e acho que isso conta muito numa sociedade em que muito "artistas" ficam tentando provar o que não são para a mídia.
    Ótima entrevista! E as fotos estão maravilhosas <3
    Abraço,
    Marina.

  8. Parabéns pela entrevista! Muito lúcido o Pethit quanto ao próprio trabalho. Só incomoda essa preocupação toda em ser singular, único e fora dos padrões. O povo já pergunta com maldade onde há espontaneidade.

  9. Junior :

    Pra quem já foi ao show do Pethit, dá pra saber o quanto ele é espontâneo no que faz. Mas um discurso estético (e memético como me parece ser o caso) não é feito só de espontaneidade, pelo contrário, deve ser lapidado de ponta a ponta!
    Adorei o entrevista. E assisti ao show dele com o Lobão: PURA SÍNTESE MEMÉTICA - THANATUS E EROS :)

  10. Anônimo :

    Puta que Pariu. curto demais o thiago, as entrevistas dele são puro êxtase..

  11. Anônimo :

    Perfeita entrevista, adoro ver ele nessa fase mais natural possivel.

  12. Adorei a entrevista! hahaha
    Realmente um artista talentoso

  13. Tô adorando conhecer cada vez mais de Thiago Pethit!
    Espero ansiosamente por um show em BH!

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