apenas castelos queimando

fotos: daryan dornelles

Há um bom tempo vem-se falando que a MPB já não é mais a mesma. Nos últimos anos, o termo ganhou uma faceta anacrônica que encobriu seu caráter mais relevante: a capacidade de se reinventar através da associação ou fusão com gêneros musicais diversos. Por total ironia, talvez aí resida o motivo para a queda de seu prestígio. Até o início deste século, ainda era bastante perceptível a fronteira entre a MPB e os demais gêneros que coexistiam no país. Entretanto, com o surgimento e ascensão da cena independente, tal fronteira se desfez por completo. Mesmo que, em um primeiro momento, fosse possível fazer algum paralelo entre esta geração e as anteriores, aos poucos, se tornou difícil agrupar artistas com referências tão díspares nessa antiga sigla. Assim, tal desgaste acabou por exigir de jornalistas e pesquisadores a utilização de novos termos, como neoMPB, nova MPB e afins. Contudo, nos últimos anos, estas designações também vêm se mostrando frágeis para abarcar gêneros tão atípicos à música brasileira, como o synthpop de SILVA e Mahmundi, o post-rock de A Banda de Joseph Tourton, Sexy Fi e do pianista Vitor Araújo, o hardcore de Macaco Bong e o pós-punk de Jair Naves. Entretanto, mesmo que, a princípio, cause espanto ou desconforto associar estes novos nomes à MPB ou às suas derivações, é reconfortante notar que, embora um tanto debilitados, estes termos ainda detêm uma força capaz de abrigar estéticas tão distintas e promover o diálogo entre elas.
Vindo da cena indie rock paulistana, Jair Naves começou a sua carreira ainda nos anos 90, como baixista do Okotô e, posteriormente, frontman do Ludovic. Após o fim do grupo, em 2008, o músico passou algum tempo afastado dos palcos, até lançar, em 2010, o EP “Araguari”, onde, flertando com o folk e a música popular, enveredou por temas relacionados à cidade de sua infância. Com o novo trabalho, passou a excursionar pelo país e, em 2011, lançou o documentário “Araguari, o que foi que aconteceu?”, retratando as gravações e os shows de divulgação do EP. Mais tarde, disponibilizou virtualmente o single “Um Passo Por Vez”, que abriu caminho para seu primeiro álbum solo: “E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas”, lançado em 2012. O disco obteve grande repercussão, despontando em diversas listas de melhores do ano e ganhando o prêmio de “Revelação” da APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte).
Vindo ao Rio para um show na Audio Rebel, Jair Naves foi convidado pelo Banda Desenhada para esta entrevista, realizada após a sessão de fotos no estúdio Fotonauta, no bairro da Glória. O músico nos falou do processo de criação de seu primeiro álbum, das mudanças do cenário musical brasileiro e da relação com seus colegas de cena..

- continue lendo >

tempos modernos

fotos: daryan dornelles


Rio de Janeiro, verão de 1982. Instalado na praia do Arpoador e, posteriormente, transferido para o bairro da Lapa, o Circo Voador apresentava novos cantores e bandas que, em sua grande maioria, eram influenciados pela new wave e pelo rock dos anos 60, incluindo a jovem guarda. Passando pelo seu palco ou pela então badalada boate Noites Cariocas, nomes como Blitz, Lulu Santos, Ritchie, Eduardo Dusek, Kid Abelha e os Abóboras Selvagens, Biquini Cavadão, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados, Leo Jaime e Os Paralamas do Sucesso acabaram ganhando espaço no cenário musical da cidade e na mídia nacional. Mérito também da rádio Fluminense FM e de alguns jornalistas que viam frescor e irreverência nessa nova geração. Entretanto, boa parte dela sofreu críticas severas por conta de suas composições despretensiosas e pelo rompimento com o que vinha sendo feito na música popular brasileira. Absorvida por uma indústria fonográfica em ascensão, a ala carioca do BRock também foi considerada culpada, entre outras coisas, de eclipsar o trabalho dos artistas independentes, como os da Vanguarda Paulista. Entretanto, seria imprudente não reconhecer a importância de uma cena que imprimiu, de forma contundente, o pop na música nacional. Por conta disso, foi possível, na década seguinte, presenciar o surgimento de bandas como Sex Beatles, Skank, Penélope, Jota Quest, Pato Fu, Video Hits e, mais à frente, de nomes que, mesmo sob o rótulo de neoMPB, adotaram uma linguagem pop, como Jonas Sá, Marcelo Jeneci, Tulipa Ruiz, Pélico, Letuce, Os Outros, SILVA, Tereza e Hidrocor. Mesmo que à primeira vista pareça um tanto inusitada, essa conexão aos poucos vem sendo percebida, sobretudo com o início do diálogo entre esta nova geração e alguns artistas que marcaram os anos 80, como Lulu Santos, Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra e Marina Lima.
Formada em 2009 em São Paulo, a banda Hidrocor é composta pelo carioca Marcelo Perdido (voz e violão) e pelo belenense Rodrigo Caldas (bateria), também integrante do Bazar Pamplona. Lançaram em 2010, o clipe “Planos Pro Ano Que Vem” e, em 2011, “Vou Voltar”, “Tchau Gravidade” e “Ma Cherie”, este último filmado em Paris por Marcelo e sua esposa, Fernanda Vidal, durante sua lua de mel. O vídeo teve grande repercussão e ultrapassou 100.000 visualizações no YouTube. Em 2012, finalmente lançaram pelo selo Capitão Monga Records seu primeiro disco, “Edifício Bambi”, extremamente pop e contando com as participações de artistas da nova geração, como Lulina e Tatá Aeroplano. Investindo fortemente na produção audiovisual, nesse mesmo ano, a banda lançou mais dois clipes, “Edifício Bambi” e “Duda”. Também nesse período, participou de dois álbuns-tributo: “Re-Trato” e “Jeito Felindie”, em homenagem, respectivamente, aos grupos Los Hermanos e Raça Negra. Em 2013, preparam-se para uma turnê pelo país e o lançamento virtual de um single com duas músicas inéditas: “A Gente Diz Que Tá Aprendendo a Amar” e “Nem Todo Amor Que Começa Acaba”.
Vindo ao Rio com a sua banda para se apresentar ao lado de Brunno Monteiro no Estúdio Floresta, Marcelo Perdido aceitou o nosso convite para uma entrevista ao Banda Desenhada. O músico nos falou de suas influências, das atuais dificuldades de uma banda independente e das controvérsias em relação à música “Ma Cherie”.

- continue lendo >

a hora da mu dança

bixiga 70 | primeira fileira, da esquerda para direita: mauricio fleury, cris scabello, rômulo nardes, décio 7, daniel gralha  | segunda fileira, da esquerda para direita: marcelo dworecki, gustávo cék, cuca ferreira, douglas antunes | fotos: daryan dornelles

De vez em quando, o Banda Desenhada retoma certas questões pertinentes à atual cena musical paulistana. Uma das mais delicadas a ser tratada é a ideia de vínculos estéticos entre os artistas desta cena, o que provoca normalmente grande discussão e, por vezes, embates acalorados. Mesmo que seja impossível classificar a cena como um movimento ou algo que o valha, salta aos olhos o diálogo e a integração de boa parte dos músicos que a compõem. O fato é que traços desse intenso convívio reverberam na produção destes artistas, seja por conta das assumidas afinidades estéticas ou pelo caráter cooperativo da cena, onde os mesmos instrumentistas participam e deixam a sua marca em diversas bandas e projetos, colaborando tanto no campo composicional quanto nas questões harmônicas e de arranjo. Sendo talvez o melhor exemplo disso, os dez integrantes do grupo Bixiga 70 dialogam intensamente com artistas como Pipo Pegoraro, Leo Cavalcanti, Anelis Assumpção, Instituto, Iara Rennó, Peri Pane, Arícia Mess, Kiko Dinucci, Thiago França, Guizado, Curumin, Marcelo Jeneci, Bruno Morais, Emicida, Projeto Nave, Rodrigo Campos, BiD, entre outros. 
Formado em 2010, o Bixiga 70 deve boa parte da sua existência ao estúdio Traquitana, quartel-general da banda e local de idealização de diversos projetos. Composto por Décio 7 (bateria), Marcelo Dworecki (baixo), Cris Scabello (guitarra), Mauricio Fleury (teclado e guitarra), Rômulo Nardes (percussão), Gustávo Cék (percussão), Cuca Ferreira (sax barítono e flautim), Daniel Nogueira (sax tenor), Douglas Antunes (trombone) e Daniel Gralha (trompete), o Bixiga 70 lançou em 2011 seu disco de estreia homônimo. Com forte influência do afrobeat, gênero presente em muitos trabalhos de músicos dessa geração, o álbum figurou nas listas de melhores do ano de várias publicações, como a revista Rolling Stone e os jornais O Estado de S. Paulo e O Globo. Em 2012, o grupo foi uma das atrações dos festivais Rec-Beat (PE), Nova Consciência (PB), Conexão Vivo (MG) e Felabration (Holanda), além de ter tocado no palco principal da Virada Cultural paulistana.
De passagem pelo Rio por conta de sua participação no festival MoLA, os integrantes do Bixiga 70 deram esta entrevista ao Banda Desenhada após a passagem de som em um dos camarins do Circo Voador. O grupo falou da cena de São Paulo, a influência do afrobeat e de seu posicionamento em relação à música instrumental contemporânea.

- continue lendo >

la banda usurpada vol. 1 – são, são paulo meu amor

fotomontagem: márcio bulk
Não, não é bairrismo, juro. Bem, pelo menos não daquele tipo clichê que, com certeza, você já leu em algum lugar por aí. Está mais para inveja branca, do bem. Afinal, desde que surgiu, a nova cena musical de São Paulo vem colhendo muitos frutos e, a cada dia, ganhando mais força. Ok, você poderá falar que os “novos paulistas”, a nova MPB ou (aff!) a neoMPB de Sampa só têm este enorme destaque por conta da grana que ergue e destrói coisas belas. Mas estamos começando o ano e não serei eu a falar mal desses meninos. Quero tocar em outro assunto, talvez um pouco clichê para você, algo sobre amor e generosidade.
No início de dezembro, fui à gravação do especial de fim de ano do Cultura Livre, programa de rádio capitaneado por Roberta Martinelli e que há algum tempo ganhou espaço também na TV. Era o “Show da Virada”, tipo réveillon em Copacabana só que indie (por favor, leia esta última palavra com toda a ironia do universo). No palco, passaram 18 artistas que representaram de forma significativa o que há de mais interessante na atual música popular brasileira. Tulipa Ruiz, Leo Cavalcanti, Marcia Castro, Filipe Catto, Blubell, Kiko Dinucci, Rafael Castro, Juçara Marçal, Karina Buhr, Tatá Aeroplano, Pélico, Felipe Cordeiro, Letuce, Bárbara Eugênia, Rael, Laura Lavieri e – nem tão novo MPBista assim – Mauricio Pereira se apresentaram ora individualmente, ora em parcerias, tendo sempre como banda de apoio os heroicos meninos de O Terno. Bem no meio dessa festa tão imodesta, pela hora da contagem regressiva, todos foram ao palco cantar “Gente Aberta”, canção de Erasmo Carlos que inicia com os proverbiais versos: “Eu não quero mais conversa/ Com quem não tem amor”. Era possível ver a felicidade estampada no rosto de cada um da trupe. Entre um intervalo e outro, os próprios artistas iam para a plateia, fazendo bela fuzarca e se divertindo como poucos. Nos bastidores, enquanto Blubell e Tulipa Ruiz usavam e abusavam do Instagram, Letícia Novaes fazia o mapa astral de Filipe Catto. Este, cantarolava com Bárbara Eugênia uma música do rei. De forma cômica, Leo Cavalcanti dava bronca em Pélico por saber melhor a letra de “Se Você me Perguntar” do que o próprio autor. A videomaker Nina Cavalcanti, irmã de Leo, providenciava bebidinhas para a jornada de mais de quatro horas de gravação. Assim, de forma displicente, o clima de festa serviu para demonstrar o porquê da cena paulistana ter dado tanto certo. Ali, em meio aos artistas e fãs, também se encontravam produtores, jornalistas, blogueiros e afins. Estes, em grande parte responsáveis por fomentar a cena, estavam no mesmo clima dos demais: Zé Pedro, do selo Jóia Moderna, não escondia o entusiasmo durante as apresentações, assim como o jornalista Marcus Preto e Cristina Chehab (colaboradora dos blogs Musicoteca e Banda Desenhada).
Bem, e eis que finalmente chego ao ponto principal desta história: o amor e a generosidade. Mais do que jogos de interesse e guerra de egos, naturais no meio artístico, o que se viu durante todo o processo de gravação do programa foi uma enorme vontade de que tudo desse certo. Diversos profissionais e amigos de fato se confraternizavam por acreditar no trabalho e na força daqueles artistas. E, sinceramente, sinto que é isto que falta à cena carioca. Enquanto não houver um grupo unido de profissionais que fomente a cena, enquanto não houver igual generosidade por parte dos artistas, enquanto não houver mais entusiastas, será muito difícil termos uma visibilidade próxima à da cena de São Paulo. Claro que nós cariocas nos esforçamos. Como não reconhecer a importância de trabalhos como os programas de rádio Faro MPB e Geleia Moderna, o projeto “Levada Oi Futuro”, ou blogs como Já Ouviu? e – desculpem a falta de modéstia  –, Banda Desenhada? Entretanto, ainda é pouco. Muito pouco. Então, considere isso um puxão de orelha, daqueles bem dados. Tipo de mãe, que depois de falar mil vezes com o filho endiabrado, perde a pouca paciência e manda ver. Tipo de quem vive na cidade maravilhosa há mais de 20 anos e quer muito que ela dê certo, que a sua música dê certo. Então, por favor, está na hora de colocarmos egos, mesquinharias e afins de lado e partir para a ação. Ou como bem diz certa dupla carioca que conhece bem sua seara: “Why carão? Love carinho”.


por márcio bulk


originalmente publicado na revista RODA #0