giro na roda viva

fotos: daryan dornelles
De fato vivemos um momento de incertezas. O mercado fonográfico e, em especial, as gravadoras multinacionais instaladas no país, não sabem lidar com as mudanças que as novas tecnologias promoveram no consumo e fruição dos produtos culturais. Inseguras, optaram pela redução de seus castings e, na esperança de obter um retorno certo, passaram a investir basicamente em artistas de enorme apelo popular. Se, em sua origem global, as companhias de discos eram pequenos empreendimentos dirigidos por profissionais que conciliavam tino comercial com paixão à música, no Brasil, o que se viu desde o início foi a presença das grandes corporações – exceção para a mítica Casas Edson e, posteriormente, as gravadoras Elenco, RGE e Copacabana Discos. Entretanto, mesmo diante desta cena, ainda era possível perceber nestas corporações um comportamento bastante diferente do que se estabeleceu nas últimas décadas. O artista, então visto como um aliado, era o verdadeiro patrimônio da empresa que, de forma geral, mostrava-se sensível às suas inquietações estéticas e investia no desenvolvimento de suas carreiras em médio ou mesmo longo prazo. Tal comportamento permitiu que, por boa parte do século passado, surgissem artistas do porte de Orlando Silva, Dorival Caymmi, Dalva de Oliveira, Tom Jobim, João Gilberto, Luiz Gonzaga, Elza Soares, Chico Buarque, Caetano Veloso, Elis Regina, Jorge Ben Jor, Rita Lee, Tim Maia e outros tantos que se consolidaram como referências na música popular brasileira. Inimaginável para os dias atuais, em 1973, Caetano Veloso lançou, endossado pela Philips, “Araçá Azul”, seu disco mais experimental e também o maior fracasso de vendas na história da indústria fonográfica brasileira. Porém, ao longo da década de 70 e de forma mais enfática a partir dos anos 80, os grandes conglomerados passaram a assumir uma nova postura. Imediatistas e mais preocupados em lucrar com hits do que investir na carreira de seus contratados, as gravadoras optaram por deixar de lado a criatividade e a audácia que sempre permearam o mercado fonográfico. Assim, assumiu-se uma visão tecnocrata que tornou, no mínimo, conflituosa a relação entre empresa e artistas, considerados dali em diante, figuras irresponsáveis e fonte de inúmeros problemas. Além disto, a utilização de certas ferramentas alterou por completo a estrutura do mercado, provocando a supervalorização do jabá e a onipresença de um poderoso e ostensivo marketing que pulverizou nas décadas seguintes qualquer tentativa bem sucedida de formação de uma cena musical mais democrática ou mesmo independente. Geridas de forma austera e por um viés eticamente questionável, as majors causaram sérios danos ao desenvolvimento da carreira de artistas notáveis, como o caso de Tom Zé e Itamar Assumpção. Assim, na virada do século, quando a internet e as novas tecnologias mostraram-se irrefreáveis e invadiram o cotidiano de boa parte da população global, viu-se a paulatina derrocada da indústria fonográfica que vinha, já há algum tempo, dando sinais de comprometimento. No Brasil, essa crise acabou estimulando, mesmo que de forma um tanto acanhada, o surgimento de uma nova geração de músicos que não mais necessitando das grandes gravadoras para desenvolver suas carreiras, passaram a ocupar o lugar de vanguarda na música popular. Coube então às antigas empresas a difícil tarefa de se reorganizar e iniciar, mesmo que de forma incipiente, um diálogo com essa nova cena. 
Convidada para a entrevista desta semana, Roberta Sá é uma das poucas artistas que, inseridas diretamente ou indiretamente em uma grande corporação, conseguiu desenvolver uma carreia onde seu apuro estético pôde associar-se, sem traumas, a uma respeitável e lucrativa venda de discos. Radicada no Rio de Janeiro desde os nove anos, a cantora potiguar iniciou a sua carreira em 2002, na segunda edição do programa de TV “Fama”, da Rede Globo. Três anos depois, lançou seu primeiro disco, “Braseiro” produzido por Rodrigo Campello. Em agosto de 2007, foi a vez de "Que Belo Estranho Dia Para se Ter Alegria", seu segundo trabalho. Neste mesmo ano, recebeu os prêmios de “Melhor Álbum” e de “Melhor Cantora” pela Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA). Em 2010, uniu-se ao Trio Madeira Brasil e gravou “Quando o Canto é Reza”, em homenagem ao compositor baiano Roque Ferreira. Com apoio da Natura Musical, lançou em 2012 seu mais recente álbum de estúdio, “Segunda Pele”, com composições de Caetano Veloso, Pedro Luís, Rubinho Jacobina, Gustavo Ruiz, Lula Queiroga, Moreno Veloso e Domenico Lancellotti, entre outros.
Capaz de circular por diferentes gêneros da música brasileira, Roberta também vem se destacando por seu discurso articulado, expondo suas opiniões ao analisar o atual momento da música brasileira. Ciente disto, o Banda Desenhada a convidou para esta entrevista, onde, em um final de tarde no Outeiro da Glória, a cantora nos falou do início de sua carreira, suas influências e a relação com o mercado fonográfico.

BD - O [preparador vocal] Felipe Abreu e o [produtor] Rodrigo Campello parecem ser figuras importantes em sua carreira. Poderia falar desse encontro?

Roberta Sá - Quando conheci o Felipe e o Rodrigo eu era uma pedra bruta. Não sabia que tinha atributos para ser uma cantora de verdade. Achava que seria amadora para o resto da vida. Os dois identificaram em mim um potencial que nem eu mesma havia enxergado. Eles me ajudaram a lapidar e, principalmente, a acreditar nas minhas ideias. Tanto o Rodrigo quanto o Felipe são profissionais com muita experiência. O Campello começou a tocar cavaquinho aos 17 anos com a Beth Carvalho, se apaixonou por Jimmy Hendrix e passou a tocar guitarra e, depois, [violão de] sete cordas. Ele toca tudo! E muito bem. Ele arrasa na produção, manja tudo de Pro Tools e de processo de gravação. Estava falando com ele sobre isso outro dia: é muito legal quando chega uma pessoa muito crua para um cara com tanta experiência. Porque o cru tem muito valor, na verdade. Quando você começa a ter mais experiência, acaba percebendo o quão  valiosa é essa inocência, esse olhar virgem para a música. Então, acredito que a gente teve essa troca. Quando comecei, eu me assustava toda vez que ouvia a minha voz no microfone! [Risos]. Só havia feito cinco shows na minha vida quando fui gravar meu primeiro disco! Nunca tinha pisado em um estúdio de gravação. Comecei muito, muito crua. Fiz um programa de televisão, que foi o “Fama”, onde conheci o Felipe. Sendo que, até ali, eu só havia subido uma única vez em um palco! E já fui direto para um palco móvel na Rede Globo com uma grua que vinha na minha cara! Levei um tombo em rede nacional! [Risos]. A minha carreira começou assim, com essa velocidade. Eu era uma menina do Leblon... estudava jornalismo, ia tomar chopp no Jobi e cantava em roda de violão com os meus amigos. E fui parar na TV Globo. Amando música, mas de uma maneira amadora. Apaixonada, mas amadora. Eu não era nada profissional. O Felipe e o Rodrigo é que me ensinaram tudo o que sei. Até hoje eles continuam me impulsionando. Sinto que a cada disco ganho mais segurança e entendimento do meu ofício.

BD – Eu poderia tirar uma dúvida: você é uma artista da Universal Music, não é?

Roberta Sá – Na verdade da MP,B e Universal. Até hoje o meu esquema é assim: tenho a minha produtora, a Rosa produções, e meus discos saem pelo selo MP,B, do João Mário Linhares, que é também meu empresário, com distribuição da Universal. A partir do segundo disco, a Universal se tornou nossa sócia. A gente tem uma joint venture: Rosa, MP,B e Universal são sócios nos meus discos. 

BD – Bem, é consenso que você faz parte da última e importante leva de artistas que conseguiram ser absorvidos pelas grandes gravadoras antes que o mercado fonográfico entrasse definitivamente em crise. Como foi esse início de carreira para você? Imagino que a gravadora tenha lhe dado algum suporte...

Roberta Sá – Como falei, eu não tinha nenhuma experiência anterior para que pudesse perceber que havia uma crise. Para mim tudo era estranho! Tudo era novidade. Eu mesma fiz o figurino da capa do meu primeiro disco. Não havia um grande aparato. Lancei meu primeiro álbum em um selo independente. Sendo que fiz metade dele sozinha. Fui eu que paguei, do meu bolso, com o dinheiro do meu trabalho. Depois de ter feito o “Fama”, trabalhei em loja, na Maria Bonita Extra, e juntei dinheiro para gravar a minha primeira demo. Eu que paguei tudo. Meu trabalho é superbraçal. Até hoje. Mesmo com o total apoio da gravadora.

BD – Não fazia a menor ideia deste início. 

Roberta Sá - Quando gravei o meu primeiro disco, tinha acabado de sair do programa. Fiz um show no Mistura Fina por insistência de um amigo meu, o [ator] Fábio Ventura: “Você tem que gravar um disco! Você tem que fazer alguma coisa!”. Sendo que o meu objetivo na época era terminar a faculdade de jornalismo e fazer um concurso, arrumar emprego... Eu queria salário, contracheque e plano de saúde! [Risos]. Sério, de verdade, do fundo do meu coração. O Fábio ajudou, então, a produzir meus primeiros shows. Formei uma banda, escolhi o repertório e fiz duas noites no Mistura. O Felipe foi em um desses shows. Ele ainda não era meu professor, a gente só tinha feito o programa junto. Na semana seguinte, fui à sua casa e ele me disse: “Roberta, você precisa gravar. Seu repertório é muito bom e é importante que seja conhecido”. Eu falei: “Mas fazer como, quando, onde?! Eu não conheço ninguém!”. [Risos]. Aí o Felipe me ajudou a fazer o orçamento da minha demo e me apresentou ao Rodrigo Campello. Na demo já havia “Casa Pré-Fabricada”, do Marcelo Camelo. Ele ainda não era um compositor consagrado... Bem, com essa demo pronta, saí distribuindo pelas gravadoras. Fui à Sony, Warner... O Felipe me orientou muito nesse sentido. Ele tem muito prestígio e como conhece todos os diretores artísticos das gravadoras, ligou para eles e pediu para que me recebessem. Mas eu não tinha ideia do que estava acontecendo. Eu ia sozinha! Sem empresário, sem ninguém! [Risos]. Lá estava eu, de vestidinho e com um disco na mão! [Risos]. Completamente sem noção do quanto valia aqueles cinco minutos com o diretor artístico daquela multinacional! Fui recebida por todos e todos me deram o mesmo retorno: “Sua música é ótima, não pare, mas não tem espaço para você dentro de uma multinacional. Sua música não vende”. Levei então o disco para a Som Livre. Lá, me falaram o seguinte: “Roberta, o Gilberto Braga vai fazer a próxima novela das oito, ‘Celebridade’. Está aqui o endereço dele. Leva direto à casa dele e deixa um bilhetinho. Ele vai adorar a sua voz”. Falei “tá bom!” e fui, deixei. Na semana seguinte me ligaram da Som Livre: “Olha, o Gilberto adorou! Ele está procurando uma voz para cantar ‘Vizinha do Lado’ e disse que, se você produzir a faixa e ele gostar, a música entra na novela. Ah, você tem quatro dias para produzir!”. [Gargalhadas]. Liguei para o Rodrigo. Ele estava no meio de uma produção, superatarefado, e eu desesperada: “Rodrigo, pelo amor de Deus, por favor! A gente faz um voz e violão! É Caymmi! Vamos lá, vai ficar bom! É pra novela das oito! Novela das oito!”. [Risos]. A gente gravou, mixou e a música entrou na novela. O Felipe Abreu ligou mais uma vez para o João Mário Linhares, que hoje é o meu empresário: “João, estou com uma aluna com música na novela das oito e com meio disco pronto. Ela não tem empresário, não tem produtor, não tem nada”. O Rodrigo Campelo também falou com ele a mesma coisa. Nessa época, a minha mãe fazia aula de pilates com o Ney Matogrosso e entregou a demo para ele. O João Mário também era empresário do Ney! [Risos].O Ney gostou e no dia seguinte ligou pro João. Então foi praticamente um complô! [Risos]. Na época, ele estava trabalhando para o Monobloco, Lulu Santos, Ney, Fernanda Abreu... enfim, só grandes artistas. E eu toda pequenininha. Ele me recebeu, ouviu o disco e: “É ótimo, mas não vamos aproveitar essa história da novela. Vamos terminar o disco com calma. Você tem três meses de carreira. Eu não vou fazer você me entregar um álbum em um mês”. O mercado já estava muito difícil. Fizemos devagar, tijolinho por tijolinho, pensando em construir uma carreira e não algo imediatista. Terminamos o disco com calma, com conforto. Meu primeiro disco foi um sonho, foi muito emocional. Eu estava cercada desses novos amigos que, a partir dali, tornaram-se parte da minha família.

BD – Ouvindo sua história, imagino que deva causar certo desconforto a tensão que foi criada entre artistas independentes e de gravadoras multinacionais.

Roberta Sá – Esta tensão de fato existe. Mas não acho que tenha a ver com os artistas. No fim das contas, está todo mundo buscando a melhor forma de fazer com que sua música chegue ao público. Mas também há tantas outras questões... “Ah, é independente é bom”, “Ah, é de gravadora é ruim”. É preconceito! Você quer um exemplo? Eu acho a Paula Fernandes uma grande cantora. E como falar isto sem ser alvo de críticas? Só porque ela vende! A menina é segura, manda bem, canta pra caramba, tem um timbre lindo, é supercompetente... está ali fazendo o trabalho dela, é coerente com o que faz... Você negar isso... Eu acredito que, hoje em dia, quando um trabalho é muito bom, ele acontece. Mesmo que seja dentro da uma esfera pequena. Claro que existem artistas que recebem maior investimento de gravadoras, que são de um segmento mais comercial. Só que eu acho que quando se discute esse assunto, as pessoas esquecem o principal: o público. Quando você começa a viajar pelo Brasil, percebe que existem lugares onde o único meio de informação e de entretenimento é a televisão. O cara realmente não tem acesso a nada. Os artistas não têm como chegar lá. São poucos os que são conhecidos no Brasil inteiro. O país é muito grande, é muito vasto. É impossível que o público absorva tanta novidade, tanta informação, tantos artistas e tantas novas gerações. O público não consegue. Ele anda um pouquinho mais devagar. E a televisão também não tem como colocar toda a produção musical nacional na sua grade de programação. Daí a importância da lei do incentivo, principalmente para turnês. O único jeito de atingir este público é levar seu show para a cidade dele. 

BD – Você está associada a uma grande gravadora e obteve o patrocínio da Natura para excursionar com o seu show, correto? Como é isso? Ultimamente, artistas do seu porte vêm recorrendo com frequência a incentivos públicos para dar prosseguimento às suas carreiras. Poderia comentar a respeito?

Roberta Sá – Olha, é muito, muito, muito difícil colocar um show na estrada. Os custos são altos e a gente precisa pagar o pessoal. Os músicos precisam comer, dormir... Tem colégio do filho pra pagar, meu Deus! Esses caras saem de casa e deixam suas famílias para ficar um mês na estrada tocando com você... Isso tem um custo... Quando colocamos este tema em discussão, estamos questionando o valor da arte, algo imensurável. É muito difícil quantificar o valor do trabalho de um artista. Às vezes você se depara com um projeto que, a princípio, parece ser muito custoso, mas que, na verdade, consumiu quatro ou cinco anos de trabalho! Você vai acabar percebendo que as pessoas envolvidas mal ganharam. Acho essa polêmica uma grande bobagem. A lei de incentivo é muito importante para todo tipo de artista. Eu já fui jurada no Prêmio da Música Brasileira, do José Maurício Machline, e passei um ano inteiro ouvindo toda a produção musical do país. Toda mesmo. E havia muitos discos financiados por lei de incentivo, ou seja, feitos por artistas independentes, mas que eram horríveis! Então é complicado. Só porque um músico está na gravadora ele é ruim? Talvez o seu trabalho realmente mereça ter destaque. O que eu sei é que, para produzirmos um disco e entrarmos em turnê levando para o público de todo o país o mesmo show que fazemos no Rio e em São Paulo, é necessária a lei de incentivo. E tenho certeza de que esse público não acha ruim quando tem a chance de assistir ao show. Hoje em dia, o papel da gravadora é outro. Não se vende mais disco, sabe? A gravadora já não ganha mais tanto dinheiro assim, a não ser com os grandes artistas pop, mas que são outro universo! Eu não rendo tanto assim para que a gravadora estenda o tapete vermelho e me dê tudo o que quero. Meu trabalho é muito suado. Não tenho uma grande estrutura. São pouquíssimos os artistas que podem ter isto. E mesmo assim, estes artistas precisam de dinheiro para fazera turnê. Eu vou para a estrada com umas 16 pessoas que necessitam que eu trabalhe para que possam ser remuneradas. Agora imagine ir para a estrada com 40! É difícil, é caro. Acho que quem reclama da política de lei de incentivo precisa entendê-la melhor, estudar e ver o que está sendo feito. Quer falar mal? Vá ao site do Ministério da Cultura e veja quanto custa cada projeto! Acabei de fazer a minha prestação de contas. É super-rigorosa. Você tem que prestar conta de cada centavo que você gastou. Tudo tem que ter nota. E isto é muito legal, dá mais credibilidade e transparência ao nosso ofício.

BD – Mas com certeza você já deve ter lido que boa parte do incentivo é concentrada na região sudeste, enquanto artistas de outras partes do país têm mais dificuldades para serem contemplados. Além disto, artistas com grande visibilidade inegavelmente têm mais facilidade em obter recursos das empresas privadas.

Roberta Sá – Depende. O Mario Adnet trabalha muito com projetos de música instrumental e me contou que algumas empresas chegam a pedir para que a sua marca não apareça muito. Depende muito. Tem empresários que são apaixonados por música e que realmente querem dar sua contribuição. E funciona. A lei de incentivo dá uma chance para que qualquer manifestação cultural aconteça. Eu adoraria que houvesse o blog da Bethânia, por exemplo. Acho uma perda. Queria ter a chance de vê-la declamar uma poesia por dia. Seria muito importante para o Brasil. A literatura brasileira perdeu um novo público por conta de uma bobagem.

BD – No seu caso, o interessante é que, mesmo sendo uma artista de uma multinacional, neste novo álbum você gravou músicas do Rubinho Jacobina, Gustavo Ruiz, Moreno Veloso e Domenico, nomes invariavelmente associados à cena independente.

Roberta Sá – Claro! Esta tensão não existe entre nós, entende? É uma coisa externa. São figuras que eu admiro pra caramba. Eu acho o Moreno genial. A música dele fala diretamente ao meu coração. É uma identificação mesmo. Eu fui ao Rubinho indicada pelo Moreno. Estava procurando repertório para o disco novo, só que também estava de mudança, com obra em casa. Ou seja, vivia uma fase superatribulada. E quando vi que precisava entregar o disco... Porque pela primeira vez na vida tive um prazo para entregar. Eu tinha um contrato com a Natura. Passei no edital e como era um prazo enorme, achei que daria tempo para fazer tudo. Mas ainda faltavam umas quatro ou cinco músicas. Liguei para o Moreno: “Moreno, estou sem repertório! Poxa, me apresenta uns compositores novos!”. Aí ele me pediu para ligar para o Rubinho. Conversamos, ele foi lá em casa e tocou suas composições no violão, me explicando tudo. Foi superatencioso. E eu adorei a experiência. Já o Gustavo, só o conheci há pouco tempo. A gente demorou a conseguir se encontrar, por conta dos shows da Tulipa [Ruiz]. Está todo mundo trabalhando pra caramba! É maravilhoso. Só me incomoda esta segmentação que vem sendo feita. Se aparecer uma cantora de samba acompanhada de violão de sete cordas ou cavaquinho e o som for maravilhoso, não vejo o porquê de ela ser renegada. Essa separação não vem dos artistas! Isto é muito importante de ser dito. O disco novo da Beth Carvalho só tem samba inédito! Uma loucura! Só sambas maravilhosos de uma turma nova do Cacique [de Ramos]. Foi um disco que eu ouvi e pensei: “Gente, estou com vontade de gravar samba de novo”! Mas cadê o reconhecimento desses novos compositores? Cada um desses artistas ajuda a construir a identidade de nossa música e não pode ser deixado de lado. Outro dia, cheguei em casa, estava cansada de uma viagem, e quis escutar os discos do Cartola. Fazia uns cinco anos que eu não ouvia. Aquelas músicas me trouxeram um conforto... Nós entramos em contato com a música para acessar nossas emoções. E o ser humano é feito de emoções distintas. Você não pode querer que exista uma só emoção, um único gênero musical ou uma única canção.   

BD – Por falar em samba, você parece se sentir bem confortável nesta seara... Isso fica claro em seu penúltimo trabalho, “Quanto o Canto é Reza”, onde você interpretou somente canções de Roque Ferreira...

Roberta Sá - Eu adoro. Não posso negar... é um lugar que sempre preciso voltar, emocional e artisticamente. Mas não seria verdadeiro tomar para mim o título de sambista porque, no fundo, eu conheço pouco desse universo. Passeio por muitos gêneros e gosto disso. Foi algo que construí aos pouquinhos, através das minhas relações... Há uns dois meses, eu cantei ao lado de Mario Adnet e da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo [Osesp] as músicas “Canoa, canoa”, do Nelson Ângelo e Fernando Brant, e “Amazonas II”, do João Donato e Arnaldo Antunes. Foi lindo. Há uns anos, participei de um projeto com o Lucas Santtana em homenagem à tropicália, no Sesc. Foi ótimo! Gosto muito de passear por vários ambientes. Isto soma à minha vida, à minha arte, e me instiga. Hoje, depois do “Segunda Pele”, tenho muita vontade de gravar um disco só de samba. Outro dia, eu estava conversando com a Antonia Adnet e ela me falou: “Mas, Roberta, você não precisa ser uma cantora de samba e sair por aí levantando essa bandeira. Você pode fazer o que está fazendo e pronto”. O Ney [Matogrosso] falou pra mim uma vez, no meu primeiro show: “Olha, todos os cantores brasileiros passam pelo samba. Você apenas começou por ele”. 

BD – É interessante você comentar isso. Porque o que vem se afirmando como marca desta geração é o pluralismo. Mas, ao que parece, grande parte da produção carioca atual está amarrada tanto ao samba quanto à bossa nova. Essas referências são tão importantes assim para os cariocas?

Roberta Sá – Sim, são importantíssimas! Faz parte da nossa memória. Quem vive no Rio tem um laço afetivo com esses ritmos. Para mim, abrir mão do samba e da bossa nova, é abrir mão da minha paixão pela cidade. E eu não pretendo fazer isso jamais. O Rio é a cidade que eu amo. Fui criada aqui, aprendi a amá-la. Para mim, tomar uma cerveja na Lapa e ouvir um samba ainda é o melhor programa da cidade. Eu encontrei a minha turma neste ambiente. Então, fico muito feliz em contribuir de algum modo para que esses gêneros continuem circulando e se propagando em outras rodas.

BD – E ainda é possível utilizar o samba ou a bossa nova e produzir uma obra criativa?

Roberta Sá - Claro que sim. Só que a gente parte deles, cria em cima, mistura com outras referências, inverte, subverte e se diverte! [Risos].

BD – Quando você começou, ainda não se falava de neoMPB, mas já havia alguns artistas precursores da cena, como o Los Hermanos, o projeto +2... Você sentia que algo de novo ou de instigante estava começando a surgir ali?

Roberta Sá – Olha, eu não dou muita atenção a isto. Não faz parte da minha personalidade ter este tipo de olhar. Meu olhar é artístico, é emocional. Eu gosto é de gente chorando, batendo palma, cantando as músicas junto... é isto que me move! É isso que me emociona nos Hemanos e foi isso que me trouxe a música do Moreno. Para mim, isso é muito mais representativo do que qualquer opinião em um pedaço de papel. Sou muito focada no meu trabalho e esta análise teórica da música brasileira nunca me interessou. É algo para o futuro. Acho que ainda não temos um distanciamento histórico para saber o que realmente é relevante ou o que vai ficar. Nem para saber se eu vou ficar! [Risos].Para nós é muito fácil comentar a respeito do impacto que teve a bossa nova, a tropicália... existe um distanciamento. Acho muito prematuro tentar analisar esta geração. Ainda temos que discutir, por exemplo, qual a importância da Cássia Eller na música popular. Só agora é que podemos perceber o seu impacto. As pessoas dão muitas opiniões. Às vezes sem ter a vivência necessária, sem saber quantos leões a gente mata por dia para fazer a música acontecer. Esta história de nova MPB me parece mais o foco de um determinado grupo de pessoas que querem inventar um movimento. Não acho que os artistas tenham a ver com isto. É uma vontade dos profissionais da informação que já estão querendo inventar histórias para preencher seus livros.

BD – Mas, continuando com esta ideia de geração, alguns intérpretes vêm se queixando da qualidade das canções atuais. Você sente isto?

Roberta Sá – Para ser bem sincera, eu sinto um pouco. A relação entre intérprete e compositor mudou bastante. Hoje em dia, o compositor também canta, grava e lança seu próprio disco. O que é ótimo! Com isto, tornou-se complicado encontrar uma boa canção inédita. É por essas e outras que eu acabo indo beber sempre nas mesmas fontes. As letras, as harmonias... Gosto do capricho, da fineza de acabamento que certos compositores possuem. Mas realmente existe uma dificuldade. É difícil mesmo. Recebo muitos discos pela estrada. Com essa história de internet, de YouTube, sinto que os novos compositores, aqueles que nunca foram gravados, ficam um pouquinho apressados, sabe? O mundo está girando em uma velocidade tão rápida que eles não perdem muito tempo para dar um acabamento mais cuidadoso. Existe um imediatismo que pode se tornar prejudicial. Você acaba de fazer uma música, joga na internet e acontece. Então, o compositor que vai lá e gasta um pouco mais de tempo burilando sua canção, acaba se destacando dos demais. 






http://robertasa.com.br/site/

2 Responses to giro na roda viva

  1. O amoe é tanto, que ao final do texto é que eu vi o tamanho. rsrs. Parabéns Roberta Varella!!! desejo-lhe muito mais sucesso, muito mais sucesso, muito, muito sucesso. mas que ninguem seja mais fã do que eu. Natal tem muito orgulho de você, nós fãs também. Beijo, te amo muito. Ah! quase esqueci. se você estiver lendo isso, por famor me segue. pois desde hoje comecei a fazer os seus parabéns. mas o twitter só é permitido fazer uma menção até 160 caracteres, então gostaria de te mandar uma DM, mas para que isso aconteça você teria de me seguir. mais beijos e obrigado pela atenção.

  2. Roberta Sá fantástica como sempre!
    Parabéns pela excelente entrevista.
    E que venham cada vez mais músicos e cantores ao nível de Roberta Sá, prezando pela qualidade de suas músicas e por um trabalho bonito de se ver.

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